Londres, Dez .2016.
Todas as semanas ela me escreve longas cartas, tem sido assim a tanto
tempo que eu nem lembro mais
E eu, desse outro lado do atlântico, de mãos atadas, espero devotamente esse
papel
Quanto sentimento cabe nesse papel?
Quando a gente conversa por esses escritos, contando com detalhes tudo o
que se passa, a minha impressão é que eu recebo as notícias sempre em primeira
mão, tento me enganar insistentemente
Como se o tempo parece no intervalo daquela postagem e somente voltasse
a contar quando meus olhos estivessem voltados aquela letras redondas
Quanto amor cabe no espaço do tempo?
Na minha cabeça, no coração e no bolso a levei para passear em todos os
lugares dessa cidade monárquica
Em cada parque, em cada avenida... imaginando como seria andar com ela
de mãos dadas, aquecendo-a do frio, esquentando os meus pés nos seus
Aqui nessa nublada urbe tudo me faz lembrar quem nunca esteve aqui
Viver de imaginação não é nada fácil, mais vale a sentimentalidade
A imaginação é tão bondosa quanto maléfica e por vezes me pego pensando no que ela está fazendo agora
As minhas cartas não podem chegar com a mesma agilidade, não tem
endereço para ser entregue
O extravio das informações me assusta de uma forma brutal e a ela também
Mas o que fazer um amor sobreviver por tanto tempo e a tantas coisas...? alimentar de memórias com cabeta e pedaços de papel é quase missionário
Ela do lado de lá, levando a vida dela, com filhos, esposo e tal
E eu aqui, tomando chá quente, lavando roupas, rasgando meus dedos no
violão, fazendo calos na alma, contando todo tempo que posso e guardando recordações
futuras em um museu de sentimentos
Amor de hora e data marcada, sem prazo de validade, esperando,
imaginando, me contorcendo de ciúmes, sobrevivendo
Mesmo que minha missão acabe, mesmo que o inglês me saia de vez dos
lábios e da memória, mesmo que a língua mãe volte a ser pronunciada e sentida nos
meus pulmões, nada disso muda a realidade
Somos dois querendo ser um, somos notas musicais aleatórias tentando
caber na sinfonia da vida, formar no futuro uma linda canção antiga
Separados e juntos, sempre
E assim fazemos o impossível acontecer a tanto tempo que eu nem sei mais
contar
A não ser pelas rugas no meu rosto, pelo fato da gravidade me curvar um
pouco mais para baixo todos os dias
Me atrapalho e desconfio dos efeitos da sua ausência, e tudo fica mais
frágil, inclusive eu
Eu vejo e sinto o tempo passar, com e sem ela
Roberta Moura
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