Quem sou eu

Minha foto
Todos os dias a Arte me toma de assalto e me leva para a Vida Real. Troco palavras, vejo pessoas, vivo um dia após o outro, como se o de ontem não tivesse existido, como se o de amanhã ainda estivesse muito longe de chegar.

sábado, 17 de março de 2018

Do outro lado do tempo


Londres, Dez .2016.


Todas as semanas ela me escreve longas cartas, tem sido assim a tanto tempo que eu nem lembro mais
E eu, desse outro lado do atlântico, de mãos atadas, espero devotamente esse papel
Quanto sentimento cabe nesse papel?
Quando a gente conversa por esses escritos, contando com detalhes tudo o que se passa, a minha impressão é que eu recebo as notícias sempre em primeira mão, tento me enganar insistentemente
Como se o tempo parece no intervalo daquela postagem e somente voltasse a contar quando meus olhos estivessem voltados aquela letras redondas
Quanto amor cabe no espaço do tempo?
Na minha cabeça, no coração e no bolso a levei para passear em todos os lugares dessa cidade monárquica
Em cada parque, em cada avenida... imaginando como seria andar com ela de mãos dadas, aquecendo-a do frio, esquentando os meus pés nos seus
Aqui nessa nublada urbe tudo me faz lembrar quem nunca esteve aqui
Viver de imaginação não é nada fácil, mais vale a sentimentalidade
A imaginação é tão bondosa quanto maléfica e por vezes me pego pensando no que ela está fazendo agora
As minhas cartas não podem chegar com a mesma agilidade, não tem endereço para ser entregue
O extravio das informações me assusta de uma forma brutal e a ela também
Mas o que fazer um amor sobreviver por tanto tempo e a tantas coisas...? alimentar de memórias com cabeta e pedaços de papel é quase missionário
Ela do lado de lá, levando a vida dela, com filhos, esposo e tal
E eu aqui, tomando chá quente, lavando roupas, rasgando meus dedos no violão, fazendo calos na alma, contando todo tempo que posso e guardando recordações futuras em um museu de sentimentos
Amor de hora e data marcada, sem prazo de validade, esperando, imaginando, me contorcendo de ciúmes, sobrevivendo
Mesmo que minha missão acabe, mesmo que o inglês me saia de vez dos lábios e da memória, mesmo que a língua mãe volte a ser pronunciada e sentida nos meus pulmões, nada disso muda a realidade
Somos dois querendo ser um, somos notas musicais aleatórias tentando caber na sinfonia da vida, formar no futuro uma linda canção antiga
Separados e juntos, sempre
E assim fazemos o impossível acontecer a tanto tempo que eu nem sei mais contar
A não ser pelas rugas no meu rosto, pelo fato da gravidade me curvar um pouco mais para baixo todos os dias
Me atrapalho e desconfio dos efeitos da sua ausência, e tudo fica mais frágil, inclusive eu
Eu vejo e sinto o tempo passar, com e sem ela

Roberta Moura



Nenhum comentário:

Postar um comentário