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Todos os dias a Arte me toma de assalto e me leva para a Vida Real. Troco palavras, vejo pessoas, vivo um dia após o outro, como se o de ontem não tivesse existido, como se o de amanhã ainda estivesse muito longe de chegar.

quinta-feira, 30 de março de 2017

Saudade Bonita



Um certo dia uma amiga me disse que com 7 dias todas as cicatrizes começariam a se fechar, estou buscando essa cura desesperadamente
O silêncio faz barulho no meu coração
Fizemos em vida um pelo outro o que bem queriamos, sempre ao lado, troncando de papéis entre quem cuida e quem precisa ser cuidado
O tempo nos colocou nessas duas situações, você foi meu cuidador e depois foi meu bebê
Os filhos são sinal de abundância, e como foi rico esse meu querido velho
A cadeira de balanço na varanda, a refeição pontual e silenciosa, as orações diárias, cada rádio arremessado ao vento com a derrota do flamengo, os saudosos sábados regados à miolo de boi, fava, mocotó, tudo isso banhado à Brahma gelada, ao som do violão... 
Quantos amigos cabiam naquela mesa...?  
Amou como poucos e, sem se importar com o que os outros pensam, viveu na vida
Plantou em nós a semente da escrita e o desejo de desenhar nas letras as histórias, a vida, a poesia e o  amor,  colheu com o tempo a sabedoria
A maior das heranças? A musicalidade e a consciência da importância do estudo! 
A cantoria na hora do banho, esse apego à Altemar Dutra, à Nelson Gonçalves e a boa música, a correção minuciosa dos meus primeiros manuscritos...
Aquela velha enciclopédia Barsa vermelha que descansa na sala de TV não sabe de nada diante do tema “vida plena” do qual ele foi Doutor
A partida é traiçoeira e mancha a fronha do meu travesseiro com um choro manso de saudades
Despedida marcada pela vontade de Deus, porque se dependesse de nós ela jamais chegaria
Ele seguiria abençoando à cada um como o sinal da cruz, como fazia com aquelas imagens pregadas na parede amarelada da sala de estar todo santo dia e noite
Sempre foi mais longe, sempre quis mais da vida, embora sua humildade não deixasse escapar nem por um instante suas origens de menino pobre
Quando percebeu que os netos haviam ganho o mundo e se espalhavam por esse plano terrestre nos desafiou com uma viagem para um lugar ainda mais distante, ganhou asas, e como quem vai primeiro para preparar tudo, partiu para o oriente eterno
E dessa vez doeu, doeu como nada havia provocado tamanha dor
Mas eu não posso pedir mais nada velhinho, não tenho esse direito
Deus percebeu que já havíamos tido o suficiente e posso dizer que aproveitei tanto, tanto, tanto de tua companhia e do teu amor, que terei a obrigação de passar uma vida inteira distribuindo isso para ver se dou conta
Vou continuar com o peito cheio de saudades para o resto dos meus dias, mas com uma saudade bonita
Valei-me minha Nossa Senhora do Carmo, porque o que me resta é rezar
E essa noite, enquanto eu caçava o sono, tentando orar eu só rezei você
Seu Pedro, Seu Pedrinho, Meu Velho, Meu Velhinho

Roberta Moura


"Naquela mesa ele sentava sempre
E me dizia sempre o que é viver melhor
Naquela mesa ele contava histórias
Que hoje na memória eu guardo e sei de cor
Naquela mesa ele juntava gente
E contava contente o que fez de manhã
E nos seus olhos era tanto brilho
Que mais que seu filho
Eu fiquei seu fã

Eu não sabia que doía tanto
Uma mesa num canto, uma casa e um jardim
Se eu soubesse o quanto dói a vida
Essa dor tão doída não doía assim
Agora resta uma mesa na sala
E hoje ninguém mais fala do seu bandolim

Naquela mesa tá faltando ele
E a saudade dele tá doendo em mim
Naquela mesa tá faltando ele
E a saudade dele tá doendo em mim" (Naquela mesa - Nelson Gonçalves)

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