Quem sou eu

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Todos os dias a Arte me toma de assalto e me leva para a Vida Real. Troco palavras, vejo pessoas, vivo um dia após o outro, como se o de ontem não tivesse existido, como se o de amanhã ainda estivesse muito longe de chegar.

quinta-feira, 20 de setembro de 2018

Estranhamente nosso


Dormiu de boca aberta...
E eu rezo por ela, todos os dias enquanto respirar
Virada para o lado esquerdo, ou voltada contra qualquer corpo que tente agarrar
Dorme de quina para a lua
Parece que tô vendo, uma perna esticada e outra em 45 graus

Travesseiro e cama, pequena ou grande, ereto ou de banda, me encolho inteiro para ela se espalhar
Suando o cangote, mesmo com o ventilador ligado
Acorda com reclamação, o calor tá demais, sopra o pescoço que o vento é pouco
Eu caio nesse laço, exatamente do mesmo jeito
Com toda a liberdade, como quem pula em um precipício
Como quem sabe onde tudo isso vai dar, mas sem qualquer receio de se estabanar
Vai seguindo o fluxo sanguíneo, dos conexos neurais, hormonais, instintivos
Como um amor que ama mais que tudo, daquele do qual se falou outro dia para uma amiga
Desses que não são daqueles
Que é preciso tempo para maturar, para apurar, para se concretizar
Do nosso estranho e único modo de ser, nosso jeito único de ser exclusivamente nosso


Roberta Moura


De portas e peito aberto


Entre os paralelos, entre as linhas, os pilares e anos
Entre os meridianos, as juras, devoção recíproca, alinhamentos e planos
Entre as luas, no meio da noite, comportadamente vestida ou parcialmente nua
Entre os encaixes, o silêncio, as letras, as promessas feitas e a lealdade exercitada
Entre o céu, a terra, a corda bamba e do violão, dentro das canções que encantam
Entre o sim e o breve, o papel timbrado, a saúde e a doença, no meio de qualquer crença
Entre e fique à vontade
Descansa a cabeça que pesa entre os ombros, fecha os olhos e parte para um plano só nosso
Bem no meio desse oceano, do aparente caos instalado, entre a exaustão e o cansaço
Entre que a casa é sua
Essa janela azul e a porta da alma sempre estará aberta, esperando você chegar
Com o peso do mundo sobre os braços, com a alma pedindo para aliviar o cansaço
Entre que o colo é seu, todo anseio, a base, os braços, os seios, tudo o que aparentemente seria apenas meu
Entre e chegue para ficar, venha com seu fardo pesado, pronta para se aninhar, volte para onde nunca deveria ter saído
Entre e fique comigo, pois aqui é o seu lugar


Roberta Moura




Paraquedas






Formou-se como o melhor da turma, foi o melhor namorado, o amigo mais dedicado, o filho que toda mãe quer ter
Galgou boa posição social, boa conta bancária, só não logrou êxito em controlar o incontrolável, caiu na tentação de amar
Caiu!
Se entalando com feijão e farinha todos os dias às 12:00 horas, no fim da noite sentava na varanda e discutia política, arte, amor com uma propriedade que não possuía
Mas na sua cabeça, mas no seu coração, havia um buraco tamanho, que não cabia mais nele, que nunca mais iria fechar, abriu-se a caixa de pandora que sempre comentara com os mais íntimos
Comentar isso o fazia calar de uma horar para a outra, o fazia parar de raciocinar normalmente, como de costume
Conturbava e desconectava seus pensamentos sempre tão retilíneo, o fazia humano demais, coisa que ele não gostava, o entregava de bandeja nas mãos dela
Todas as vezes que olhava para uma pá pensava em ler um tutorial que lhe ensinasse a enterrar um coração que ainda pulsava, que latejava o nome da amada, que lhe tirava a concentração trivial
Queria escrever um novo tratado mas lhe fugiam as palavras, queria combinar mais um plano infalível, mas o raciocínio lhe fugia da lógica
Todas as promessas foram quebradas, tudo que jurou não fazer lhe cobrava mora, tornou-se tudo o que ignorava e justificara tal tese no amor
O que o coração lhe falava não era o que a realidade assinava, ele acreditou no coração, mais uma vez e despencou de um penhasco tão auto que enquanto caia não percebia, não percebeu que chegava o que lhe fez arrebentar-se no chão
Devastado, foi a palavra que usou ao me contar com detalhes tudo o que viu e ouviu naquela noite
Um coitado, que de tanto amor cegou e voltou a enxergar na hora e lugar que menos queria, em meio à uma multidão, sozinho
Recusa o cale-se, recusa o tinto do vinho, recusa ter que escutar desculpas, nada grita mais auto aos ouvidos de um apaixonado que a voz doce e suave do seu amor
Foi dela que ouviu, dela que entorpeceu, dela que recobrou a consciência de abrir o paraquedas antes de enfiar a cara no chão de vez e levar consigo tantos sonhos ainda não realizados
Não há mais dúvidas, as coisas são para o que e para quem são
E, embora sua consciência discuta ferozmente com o seu coração, segue sozinho o fado daqueles que precisam escutar mais que falar, então cala  
Tudo parecia normal, tudo parecia sublime e era, só ele fazia questão de ignorar a verdade
Existiria sempre alguém na sua frente na hierarquia do amor daquela mulher, sempre houve, sempre haverá
Custou a entender, e possa ser que ainda não tenha entendido profundamente a regra da razão, da coisa toda
Olhando bem no reflexo dos seus olhos percebi o quanto se enganou com uma realidade que ele mesmo construiu, que inocência, que subestimação do seu próprio sentimento, de todo sentimento
Quer me dizer que vai dar uma chance a razão, mas não me parece confiante, acho que é muito mais aquilo que ele deseja do que aquilo que realmente fará
Conscientemente e encarecidamente peço para que tenha paciência e escute os sinais do destino, da realidade que o cerca, que deixe o paraquedas em alerta, que não hesite em utiliza-lo
Com ouvido de mercador ele cala! Ele sempre cala!
Sensibilidade, amor, versos e realidade, esse jogo deveria ser proibido, é uma queda de braços injusta
Coração, não pegue pesado com quem é leve, perdoe-se
Ele bem sabe que o tempo não cura, somente tira o incurável do centro das atenções, contudo, nada disso faz acreditar menos, todas as vezes, as falidas e repetidas vezes
Cura é consequência do jeito que você vê a vida meu dileto amigo, se não faz sentir não faz sentido
E quando não se sabe o que dizer é suficiente sentir
Ao que me parece, há uma infinita esperança ligada ao amor que promete que tudo vai ficar bem, mesmo quando o óbvio e a razão assinala o contrário

Roberta Moura