Todos os dias a Arte me toma de assalto e me leva para a Vida Real. Troco palavras, vejo pessoas, vivo um dia após o outro, como se o de ontem não tivesse existido, como se o de amanhã ainda estivesse muito longe de chegar.
Dormiu de boca aberta...
E eu rezo por ela, todos os dias enquanto respirar
Virada para o lado esquerdo, ou voltada contra qualquer corpo que tente agarrar
Dorme de quina para a lua
Parece que tô vendo, uma perna esticada e outra em 45 graus Travesseiro e cama, pequena ou grande, ereto ou de banda, me encolho inteiro para ela se espalhar
Suando o cangote, mesmo com o ventilador ligado
Acorda com reclamação, o calor tá demais, sopra o pescoço que o vento é pouco
Eu caio nesse laço, exatamente do mesmo jeito
Com toda a liberdade, como quem pula em um precipício
Como quem sabe onde tudo isso vai dar, mas sem qualquer receio de se estabanar
Vai seguindo o fluxo sanguíneo, dos conexos neurais, hormonais, instintivos
Como um amor que ama mais que tudo, daquele do qual se falou outro dia para uma amiga
Desses que não são daqueles
Que é preciso tempo para maturar, para apurar, para se concretizar
Do nosso estranho e único modo de ser, nosso jeito único de ser exclusivamente nosso Roberta Moura
Entre os paralelos, entre as linhas, os pilares e anos
Entre os meridianos, as juras, devoção recíproca, alinhamentos e planos
Entre as luas, no meio da noite, comportadamente vestida ou parcialmente nua
Entre os encaixes, o silêncio, as letras, as promessas feitas e a lealdade exercitada
Entre o céu, a terra, a corda bamba e do violão, dentro das canções que encantam
Entre o sim e o breve, o papel timbrado, a saúde e a doença, no meio de qualquer crença
Entre e fique à vontade
Descansa a cabeça que pesa entre os ombros, fecha os olhos e parte para um plano só nosso
Bem no meio desse oceano, do aparente caos instalado, entre a exaustão e o cansaço
Entre que a casa é sua
Essa janela azul e a porta da alma sempre estará aberta, esperando você chegar
Com o peso do mundo sobre os braços, com a alma pedindo para aliviar o cansaço
Entre que o colo é seu, todo anseio, a base, os braços, os seios, tudo o que aparentemente seria apenas meu
Entre e chegue para ficar, venha com seu fardo pesado, pronta para se aninhar, volte para onde nunca deveria ter saído
Entre e fique comigo, pois aqui é o seu lugar Roberta Moura
Formou-se como o melhor da turma, foi o melhor namorado, o amigo mais
dedicado, o filho que toda mãe quer ter
Galgou boa posição social, boa conta bancária, só não logrou êxito em
controlar o incontrolável, caiu na tentação de amar
Caiu!
Se entalando com feijão e farinha todos os dias às 12:00 horas, no fim da
noite sentava na varanda e discutia política, arte, amor com uma propriedade
que não possuía
Mas na sua cabeça, mas no seu coração, havia um buraco tamanho, que não
cabia mais nele, que nunca mais iria fechar, abriu-se a caixa de pandora que
sempre comentara com os mais íntimos
Comentar isso o fazia calar de uma horar para a outra, o fazia parar de
raciocinar normalmente, como de costume
Conturbava e desconectava seus pensamentos sempre tão retilíneo, o fazia
humano demais, coisa que ele não gostava, o entregava de bandeja nas mãos dela
Todas as vezes que olhava para uma pá pensava em ler um tutorial que lhe
ensinasse a enterrar um coração que ainda pulsava, que latejava o nome da
amada, que lhe tirava a concentração trivial
Queria escrever um novo tratado mas lhe fugiam as palavras, queria
combinar mais um plano infalível, mas o raciocínio lhe fugia da lógica
Todas as promessas foram quebradas, tudo que jurou não fazer lhe cobrava
mora, tornou-se tudo o que ignorava e justificara tal tese no amor
O que o coração lhe falava não era o que a realidade assinava, ele
acreditou no coração, mais uma vez e despencou de um penhasco tão auto que enquanto
caia não percebia, não percebeu que chegava o que lhe fez arrebentar-se no chão
Devastado, foi a palavra que usou ao me contar com detalhes tudo o que
viu e ouviu naquela noite
Um coitado, que de tanto amor cegou e voltou a enxergar na hora e lugar
que menos queria, em meio à uma multidão, sozinho
Recusa o cale-se, recusa o tinto do vinho, recusa ter que escutar
desculpas, nada grita mais auto aos ouvidos de um apaixonado que a voz doce e
suave do seu amor
Foi dela que ouviu, dela que entorpeceu, dela que recobrou a consciência de
abrir o paraquedas antes de enfiar a cara no chão de vez e levar consigo tantos
sonhos ainda não realizados
Não há mais dúvidas, as coisas são para o que e para quem são
E, embora sua consciência discuta ferozmente com o seu coração, segue sozinho
o fado daqueles que precisam escutar mais que falar, então cala
Tudo parecia normal, tudo parecia sublime e era, só ele fazia questão de
ignorar a verdade
Existiria sempre alguém na sua frente na hierarquia do amor daquela
mulher, sempre houve, sempre haverá
Custou a entender, e possa ser que ainda não tenha entendido
profundamente a regra da razão, da coisa toda
Olhando bem no reflexo dos seus olhos percebi o quanto se enganou com uma
realidade que ele mesmo construiu, que inocência, que subestimação do seu
próprio sentimento, de todo sentimento
Quer me dizer que vai dar uma chance a razão, mas não me parece
confiante, acho que é muito mais aquilo que ele deseja do que aquilo que realmente
fará
Conscientemente e encarecidamente peço para que tenha paciência e escute
os sinais do destino, da realidade que o cerca, que deixe o paraquedas em
alerta, que não hesite em utiliza-lo
Com ouvido de mercador ele cala! Ele sempre cala!
Sensibilidade, amor, versos e realidade, esse jogo deveria ser proibido, é
uma queda de braços injusta
Coração, não pegue pesado com quem é leve, perdoe-se
Ele bem sabe que o tempo não cura, somente tira o incurável do centro das
atenções, contudo, nada disso faz acreditar menos, todas as vezes, as falidas e
repetidas vezes
Cura é consequência do jeito que você vê a vida meu dileto amigo, se não
faz sentir não faz sentido
E quando não se sabe o que dizer é suficiente sentir
Ao que me parece, há uma infinita esperança ligada ao amor que promete
que tudo vai ficar bem, mesmo quando o óbvio e a razão assinala o contrário
Passa das 19:00 horas, caminha em sentido contrário a névoa que lhe cortam
os lábios de frio
Não vê a rua sobre a qual caminha, não enxerga a calçada, nem o beiral
que separa seus pés do meio da estrada
Ela só caminha levando consigo o fluxo dos seus pensamentos nos olhos,
não discerne, ou finge não enxergar o que está bem na sua frente
Por tanto não querer enxergar não esperava que uma bigorna apontava para
a sua testa há tempos
Fazia frio naquela noite no lado leste da Tower Bright, ela visivelmente cansada,
sentou-se faminta, mais que isso, sentia um vazio ensurdecedor
Parada por alguns instantes ela tentava respirava, desentalar as palavras
que corriam contra o fluxo mecânico e gástrico do seu corpo
Acende com dificuldade um cigarro de aroma insuportável e com a outra mão
apalpa no bolso esquerdo uma garrafa vazia de alegria, acabou-se, mais uma vez
Ela jura que quer parar, mas o enfeite ilusório de um amor que deixou
invadir seus sentidos novamente lhe prova o contrário, cai igualmente em seus
próprios devaneios
Não está mais lúcida, não quer mais pensar, se recusa a obedecer ordens,
apenas acena positivamente com a cabeça quando lhe convém
O certo é que ela não quer mais nada dessa vida medíocre, de bater ponto
no trabalho, de chegar em casa todos os dias sozinha, ela não quer mais pensar
E tudo que ela queria era voltar para casa com um sinal positivo da vida,
tirar dos seus olhos aqueles tijolos vermelhos que cercavam o bairro e que lhe
trancavam feito um labirinto
Foram tantas as palavras que disse, tanta exposição, deu tanto seu
coração e seu corpo que parece ter esgotado a fonte de desejo que despertara o
animal que silenciosamente lhe habita
Pensou por um momento que sua a caminhada teria chego ao final, tola
Pensou poder descansar seus pés gelados, pensou e pensa demais essa pobre
moça
Viajando entre o desejo e a temperança que lhe faz parecer eternamente
serviçal, deixou escapar a sua sagrada sanidade
Pensa consigo mesma, “eu não posso chorar” e engole palavras doces como
bala de canhão
Concorda, por outro lado, com as cobertas de razão decisões de quem
comanda
Ela obedece por não ter mais juízo, por não ter mais forças para lutar
contra a realidade que tanto tentou esconder para si mesmo
Hoje, caminha esmo, sem saber para onde está indo, carregando consigo
apenas o ecoante instinto de sobrevivência que lhe insiste em dizer: -você não
pode parar!
Faz tempo que procuro um jeito de dedicar a essa a tudo isso algumas
considerações
Em especial, sobre essa minha necessidade incontrolável de te contar sobre
os caminhos pelos quais tenho passado
Não tem sido nada fácil, nada confortável, ter que lidar com essa
sensibilidade extrema
Sabe, ninguém perguntou como estão meus dias, nem mesmo se essa tal
felicidade tem me visitado
Ninguém me perguntou se estou feliz
Tenho carregado o mundo inteiro em minhas costas e essa bagagem tem
pesado um tanto mais que a mim mesmo
Nada que vem de fora me tem atingido, senão a sapiência das especulações
e da falta de amor próprio, além dessa sensibilidade e ansiedade extrema
Meu querido, você não tem noção do que a carência é capaz de provocar
As pessoas exigem amor e respeito vestidas de vaidade, insegurança,
ciúmes e egoísmo
É realmente lamentável vislumbrar tamanha discordância entre os
sentimentos
A posse, a inveja e até mesmo a falta de amor próprio, tudo isso cria uma
onda de negatividade terrível, apta a consumir até mesmo as melhores intenções
A carência e a necessidade de pendurar-se em outra vida distrai o foco da
realidade e acaba por deturpar o futuro
Confesso que não sei lidar com tudo tentando sustentar a razão costumeira
Quando o ser humano perde a individualidade dos seus sonhos e sentidos
passa a viver na aflição, na agonia, no sufoco
Por certo há de haver maior habilidade minha no sentido de contornar tudo
isso, mais que isso, há de haver empenho, por isso oro para não faltar vontade
de faze-lo
Tomo um café preto e robusto, aqui, na sala de espera desse aeroporto, no meio dos vários nadas que me cercam
Sem saber ao certo onde devo ir, se devo ficar ou como prosseguir eu me intalo de pó, cafeína e água quente
Você puxou o freio de mão da nossa locomotiva e quem capotou fui eu
Que tolice a minha, que burrice, logo eu que assisti de camarote e tantas vezes esse mesmo filme, que confusão é essa na qual mergulho reiterada e conscientemente
Daqui do saguão reparo as pessoas que passam de um lado para o outro, sempre com pressa, como quem sabe onde precisa chegar
Invejo essa segurança, essa autonomia toda
Eu invejo essa disponibilidade, esse lance de escolher o que sentir e medir as consequências com precisão
Na verdade, o problema não é o freio de mão puxado, mas a mão na direção que guia tudo isso, eu não deveria ter me abandonado, entregue assim tão facilmente
Faço listas e desenho um futuro próximo em uma folha de guardanapo
Cai no formato de gota a borra do café, mas ela não desvenda o meu astro
Penso que preciso de um novo CEP, novos rostos, novos sonhos, carimbos no passaporte, novas línguas e linguagens
Percebo que a única coisa que não muda é a figura do seu rosto, esse velho novo rosto que insiste em me seguir
Um rosto gravado na memória do meu coração, que tantas vezes já foi pisoteado pelo mundo e idolatrado por mim
Dono das mãos que puxam o freio, o gatilho e me bloqueiam indo de encontro ao meu tórax, que por vezes me impedem de prosseguir
A moça chama a minha partida no alto-falante e eu gelo dos pés a cabeça
Não porque estou indo embora mais uma vez, mas porque ninguém deseja me impedir
Ninguém para chegar na fila do check-in e gritar o meu nome, ninguém para me pedir em casamento no meio da multidão
Ninguém para me beijar tirando o fôlego e pedir para eu ficar
Que sina essa minha, de dormir depois e acordar antes, por fim dormir sozinha
No fundo eu sei que o mundo é a minha casa e o passaporte da minha felicidade precisa ser validado unicamente por mim
Ainda me falta esse controle, pois eu tendo em perde-lo todas as vezes que vejo o seu rosto
"As coisas não podem ser assim", foi a justificativa dele ao me ouvir
Logo eu, que falava tão pouco e agora me exponho tanto
Quando seus olhos deitam sobre os meus as vezes se dilatam, as vezes me relatam, outras me delatam, noutras me deletam
Tudo me parece fruto do descaso, uma brincadeira sarcástica do destino sob minha invejável liberdade
Nada me convence do óbvio que trago em meu peito, pois tantas vidas que terei as gastarei em atropelamentos, barroadas e capotadas, mas me recusarei a deixar de sentir
Debruçada no parapeito de uma janela toda azul eu olho o tempo passar e somente
a demora chegar
Mas, uma hora ou outra ele chega, sem fazer alarde, como quem não quer
nada
Soltando mil impropérios para tomar meu tempo, minha imagem, minha
imaginação
Chega sedento mas propositalmente acanhado, como quem pisa em ovos
Tomando minha virgindade das palavras, coisas que jamais falaria para
qualquer outro alguém
Chega para provocar
Desço do salto e empunho na mão esquerda uma xícara de chá fumegante
Engulo cada palavra que ele fala, rasgando a garganta com chá quente e
torpor
Fito a sua fala com um olhar que me entrega toda
Olho sua boca e sinto cada visgo daqueles lábios passeando sobre o meu
corpo
Minha imaginação me faz pecar a cada segundo que deito os olhos sobre
ele
Ele me quer, eu penso, ele me quer eu confirmo
Entre uma palavra e outra ele provoca meus sentidos, chega mais perto,
posso senti-lo
Entrelaçando esse sotaque lúdico com a minha vontade de cala-lo com um
beijo
Chega mais perto, pede para ficar por essa noite, dormir e acordar aqui
Eu, eternamente rendida aos seus encantos, mais uma vez cedo a sua sede
Não me faço de rogada, a timidez não visita a nossa nudez, não conta
conosco
Irreparáveis!
Irreconhecíveis quando unidos
Incompreendidos...
Nada mais importa quando embaraçamos as pernas e o coração
Ninguém mais
Somos só nós dois, novamente e eternamente nós dois
Fazendo o que ninguém mais faz com tamanha maestria, sem precisar de
ensaios, sem manual e instruções
Somos nós dois, dois iguais e distintos amantes, aprendendo e
experimentando tudo juntos
Incorrigíveis!
Ele fala para eu não me preocupar
E eu encho novamente a cara de chá
A cabeça dele, todas as borboletas que enxergo desfilar sob ela, tudo
isso que me confunde e clareia o presente, nada que substitua sua presença em
minha vida e a minha na dele
Cumplicidade!
Ele reclama da minha pressa pela vida, eu reclamo do seu sono, juntos
nos calamos contemplando cada segundo da nossa presença
Não vale a pena a discussão, não vale a pena a perca de tempo
Quando se quer beijos, pernas, mãos, olhos, cheiro, movimento
Quando se quer tanto alguém há tanto tempo que não resta mais nenhuma
alternativa plausível que vença a vontade de ser, de estar
Não há oceano que separe duas vidas que nasceram para se fundir Se houvesse, seria oceano móvel, porque daríamos um jeito de tirar do caminho
Não há medo nem desentendimento que abale a confiança
Ele me conhece e eu o conheço tanto que até seus defeitos tornam-se
adereços da sua plenitude
Amanhã ele vai embora, volta a sua realidade pesada e cansativa, comigo
na cabeça, no corpo marcado e no coração
Sou sua mulher, sempre serei sua mais fiel confidente, seus ouvidos mais
atentos, sua parceira, sua compreensão desmedida, seu amor para toda vida
Incorrigíveis Nem o receio nem as ameaças apagam o que nasceu para brilhar O mundo é apático e não permite flexibilidade, não demanda evolução Me pego devorando ele com garfo e faca, delicadamente Nem mesmo o medo muda o desejo de estar, de ser o que se é, de quem se é Quem além de você? Tenho dormido pouco e sonhado muito Prometendo além de tudo, tento no fim das contas cumprir o que guardei para mim Porque é o meu desejo mais profundo, algo não escrito por mim, mas pelo destino que insiste em se cumprir, que lateja e quer ficar Algo que não se tem controle, que nunca foi vestido de rédias, não sabe o que é prisão Nosso claustro é nosso abraço e essa é a única chave que desejo perder Para que a gente cole de vez, em um teto só nosso, onde a palavra de ordem seja o amor e o pronome que nos defina seja unicamente na primeira pessoa do plural As vezes o amor precisa ser egoísta, na medida em que tenta ser executado Não me diga o que fazer, não me coloque palavras na boca Dessas que eu não quero dizer, que não quero fazer, não me peça o exílio Somos mesmo incorrigíveis por natureza, lutando um pelo outro, desesperadamente e silenciosamente Ardendo em febre e segurando as lágrimas Contando as horas no desejo da mais plena liberdade Detentores de uma sensibilidade e fragilidade feito casca de ovo, intocáveis Que no nosso jardim sejam regadas as flores de todas as nossas estações Como um desenho bonito e pintado que relate os caminhos por onde passamos, a métrica que aprendemos com o tempo Que elas pousem para o sol tal qual a sua foto mais bonita na parede do nosso quarto de dormir Que eu aprenda a lidar com minha impaciência até o breve chegar Roberta Moura
É preciso entender que o escritor escreve muito mais para ele que para os
outros, que para o seu mais fiel leitor
Presentemente essa tem sido a minha mais forte aliança
Atualmente tem sido o caminho mais seguro, o mais agradável
Secretamente escrevo, inutilmente e esporadicamente publico,
eventualmente regozijo
Tem tanta coisa passando pelos meus olhos, tantas letras, pessoas,
sentimentos, sentidos, planos
Tanta coisa mudando o tempo todo, que escrever torna-se um hábito de demarcar
o presente para que eu possa ao menos entender onde estou, para que possa ter
parâmetros de para onde devo ir, e onde de fato preciso chegar
A vida é tão confusa, tão inesperada para aqueles que se atrevem a
deliciar-se em todos os seus sentidos, que escrever torna-se apenas um dos contextos mais simples, tradicionais e cafonas
Não que escreva sobre as verdades, longe disso, escrevo sobre tudo e sobre
o nada
Não tente entender as frases, muito menos o que falo sobre o escritor
Com uma cortina de verdades, desejos, planos, ilusões e espiritualidade transforma-se a união de letras em sentimentos criptografados
Escrevo com letras que não inventei, imito palavras que tentam traduzir
o sopro de vida que habita em mim
Pequeno e suave vento que sopra na minha alma, com um aforça tamanha que não consigo controlar
Por vezes incompreensível,
mas que, como um guia, desenha em letras arredondadas uma estória que se confunde
com a história
Tudo verdade, nada mais que ilusões
O amor torna-se no entanto a inspiração maior de tudo isso
Um rosto, uma voz, um toque, um aperto no coração, uma esfriada
involuntária na coluna
Uma cena na rua, uma dor de cabeça, enxurrada de palavras acumuladas que
estão socadas na boca e não podem ser liberadas
Tudo se torna motivo
Um silêncio provocado, um cochilo prolongado, a dor de barriga, o ciúme inconteste, os planos para um futuro distante e os amores do presente
Tudo é "anotável", inclusive o nada e os gritos estranhos na minha cabeça
As cartas já não chegam mais com frequência, todos temem o risco dos atuais "prints",
dos endereçamentos trocados, do cruzamento de informações
Todos, menos o escritor
Aquele que narra cenas vividas, observadas, anotadas, presenciadas,
confidenciadas
Quase um sacerdócio pago com o silêncio da fonte e o grito desagradável
de um coração incontrolável
Não queira, não deseje esse suposto privilégio que é escutar demais, dos
outros e do seu coração
E dentre esses, o que mais reclama é o átrio pulsante que lhe bombeia a
vida
Briga o tempo todo com a massa cinzenta que tenta sufocar seus mais loucos
anseios
Coração é terra de ninguém, não tem controle, não mede esforços, os
riscos
Sendo assim, chego a tórrida conclusão que o coração é burro!
E tende a ter como aliado o escritor, que por sua vez é outro burro...
Passa a vida tentando justificar as razões do primeiro asno, dando-lhe
razões que não lhe cabem, oferecendo álibis inexistentes
O escritor é o advogado do coração e súdito do amor
E o sustenta com toda maestria, que mesmo vislumbrando
tantas vezes a futura e total improcedência dos seus pedidos labuta em sua
honra incansavelmente