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Todos os dias a Arte me toma de assalto e me leva para a Vida Real. Troco palavras, vejo pessoas, vivo um dia após o outro, como se o de ontem não tivesse existido, como se o de amanhã ainda estivesse muito longe de chegar.

segunda-feira, 25 de junho de 2018

Sobre chegadas, regressos e partidas

Berlin, Schönefeld, 2017.


Tomo um café preto e robusto, aqui, na sala de espera desse aeroporto, no meio dos vários nadas que me cercam
Sem saber ao certo onde devo ir, se devo ficar ou como prosseguir eu me intalo de pó, cafeína e água quente
Você puxou o freio de mão da nossa locomotiva e quem capotou fui eu
Que tolice a minha, que burrice, logo eu que assisti de camarote e tantas vezes esse mesmo filme, que confusão é essa na qual mergulho reiterada e conscientemente
Daqui do saguão reparo as pessoas que passam de um lado para o outro, sempre com pressa, como quem sabe onde precisa chegar
Invejo essa segurança, essa autonomia toda
Eu invejo essa disponibilidade, esse lance de escolher o que sentir e medir as consequências com precisão
Na verdade, o problema não é o freio de mão puxado, mas a mão na direção que guia tudo isso, eu não deveria ter me abandonado, entregue assim tão facilmente
Faço listas e desenho um futuro próximo em uma folha de guardanapo
Cai no formato de gota a borra do café, mas ela não desvenda o meu astro
Penso que preciso de um novo CEP, novos rostos, novos sonhos, carimbos no passaporte, novas línguas e linguagens
Percebo que a única coisa que não muda é a figura do seu rosto, esse velho novo rosto que insiste em me seguir
Um rosto gravado na memória do meu coração, que tantas vezes já foi pisoteado pelo mundo e idolatrado por mim
Dono das mãos que puxam o freio, o gatilho e me bloqueiam indo de encontro ao meu tórax, que por vezes me impedem de prosseguir
A moça chama a minha partida no alto-falante e eu gelo dos pés a cabeça
Não porque estou indo embora mais uma vez, mas porque ninguém deseja me impedir
Ninguém para chegar na fila do check-in e gritar o meu nome, ninguém para me pedir em casamento no meio da multidão
Ninguém para me beijar tirando o fôlego e pedir para eu ficar
Que sina essa minha, de dormir depois e acordar antes, por fim dormir sozinha
No fundo eu sei que o mundo é a minha casa e o passaporte da minha felicidade precisa ser validado unicamente por mim
Ainda me falta esse controle, pois eu tendo em perde-lo todas as vezes que vejo o seu rosto
"As coisas não podem ser assim", foi a justificativa dele ao me ouvir
Logo eu, que falava tão pouco e agora me exponho tanto
Quando seus olhos deitam sobre os meus as vezes se dilatam, as vezes me relatam, outras me delatam, noutras me deletam
Tudo me parece fruto do descaso, uma brincadeira sarcástica do destino sob minha invejável liberdade
Nada me convence do óbvio que trago em meu peito, pois tantas vidas que terei as gastarei em atropelamentos, barroadas e capotadas, mas me recusarei a deixar de sentir

Roberta Moura




 

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