Todos os dias a Arte me toma de assalto e me leva para a Vida Real. Troco palavras, vejo pessoas, vivo um dia após o outro, como se o de ontem não tivesse existido, como se o de amanhã ainda estivesse muito longe de chegar.
Gastar
caneta e papel em homenagem à inspiração que é amar
Escrevo
palavras tortas em papel dourado e o retilíneo que explicam meus pensamentos tortos
Eles não consoam
com a minha ansiedade
Estou quase
morrendo de amor, mas não deixarei herdeiros
Faço música
e arte para não enlouquecer durante esse caminho
É de uma
avidez gritante passar a vida buscando um corpo que se pareça com o seu, que se encaixe
Caçando uma
vida que não é sua, que não compartilha da sua presença, que é tão sem você
Tentando
fingir o que não pode ser, a vida me coloca em frente à um precipício de
incertezas
Frustração
aguda e gratuita!
As letras
não me obedecem, mas mesmo assim a junção ainda é meu mais válido antidepressivo
Para um
coração semântico tanto faz um coração meio cheio ou meio vazio de amor
Letras
hábeis, difícil sentido, amor corrompido, segue o labirinto da ilusão Logo eu... de amor de botas batidas? de correr tanto? Me vejo pregada no tempo, ferroada nas costas pela sentimentalidade
Pouca noite
para muitos sonhos, coisas da madrugada
Copo de
água para assustar o pesadelo, não traz de volta o amor em sete dias, não
arranca a tristeza, nem leva embora a desilusão
Quando ela
cola os seus olhos sobre o meu evito respirar para não perder uma só fração de
segundo desse momento mágico
Basta um
toque sobre minha mão, basta uma palavra para me mudar o rumo do dia
Um beijo é
como um afago na alma
O meu
coração pulsa as cores que roubei do seu sorriso
O frio na
espinha, o desejo, o amor...
Não entendo
como tudo isso cabe naquele frasco azul de perfume que guardo com cuidado na
prateleira da alma
Tanto tempo
se passou e eu ainda vejo seu jeito de menina por trás desse semblante de
mulher
Poderia
carrega-la na garupa da minha bicicleta vermelha e passear por toda a cidade sem me
cansar as pernas, movida pela endorfina provocada pelo enlace dos seus braços
na minha cintura
Poderia
reescrever a história só contanto as coisas boas, para que fique eternamente
gravada na memória e jamais nos faça duvidar do nosso objetivo em comum
Ah! Eu
poderia dizer que a amo todos os dias se isso bastasse, se fosse o
suficiente...
Mas a vida
compartilhada é o maior do presente que alguém já pode dar à outro
Os momentos
de fraqueza, a loucura do cotidiano, a insanidade da ansiedade, isso ninguém vê
além de mim
Gosto do
gosto, do gasto
Do jeito
que a mão toca a minha mão
Do cheiro
de cama, do olhar procurando o meu
Nela vejo poesia
O horizonte
foi o lugar que o sol escolheu para beijar o mar ao amanhecer e foi lá onde nos
encontramos pela primeira vez
Como uma
linha tão tênue pode esconder tamanha intimidade?
Como pode
decifrar e unificar o que há dentro de mim e de você?
Essa
jornada seguirá ao seu encontro, circulando, construindo o legado e renovando o
amor
A neblina
tênue que cai do lado de fora da janela da cozinha anuncia a neve que está por
vir
Não sabe
nada de frio esse truque da natureza em transformar água em vapor e em flocos
Não sabe
nada de solidão, nem do gélido iceberg que carrego no peito depois de tantos
anos
Desde
aquele caloroso 13 de março comecei a contar os dias do modo contrário,
revertendo o tempo para não enlouquecer de saudade
Dentro
desse cubículo de dois cômodo em Amsterdã vejo a vida passar por essa única
janela
Vejo o sol
lutando contra a névoa querendo aparecer de vez em quando, quando convém, o que
não é o suficiente para mim
Não me
convenço com os jovens de hoje, que dissipam suas vidas e tristezas trocando likes e confessando mentidas por uma
tela ainda menor que minha vidraça
Que
desperdício de vida!
Sinto
saudades dela, não me nego a vontade de sonhar
O charuto
entrelaçado nos dedos da minha mão esquerda poderia ser dividido com outra
boca, com quem também dividisse comigo a morte lenta que ele me provoca
Passou-se
tanto tempo, tantos quilômetros, tantas outras vidas, idas, chegadas e
partidas, que por vezes não sei mais quem sou
Somente a
carga dos anos, meus cabelos brancos, e essa barba platinada que insiste
crescer desenham em mim as marcas do tempo que passa vagaroso sem o seu olhar
Minha vaidade teria vergonha que me visse assim, desenhado nas dobras do meu corpo pelo pincel das horas e dias que não tardam em passar
Cai sobre
os meus ombros o peso de não ter contato a ela todos os dias o quanto era
preciosa, o quanto o ar que ela inspirava, respirava e transpirava me fazia bem
Que
decadência, somente um chá pode aquecer esse velho coração que insiste em bater
e retarda ainda mais nosso reencontro
Dizem que
existe beleza na morte, na pouca sorte
No homem
que, traído, mal diz o amor
Na vela que
queima a oração, na dor
Dizem que
existe beleza em tudo
Que existe
beleza na despedida, nas lágrimas sofridas de quem fica, na tristeza de quem
não lhe rendeu a devida atenção em vida
Não consigo
enxergar...
Pois para
um sujeito como eu, tudo em que se baseou a vida se mostrou mortal, não há como
ser diferente, eis aqui alguém na lama da tristeza
Sentada na beirada da cabeceira da Pont des Arts esperava que a vida
passasse breve, que chegasse o verão em meu coração, esperava os trópicos
Ao levantar o queixo à esquerda percebo a sua vinda, vestindo vermelho
e preto
E ele está acompanhado de todo o calor pertinente à sua existência, à
sua natureza
Arrisco três palavras do meu lamentável francês e a receptividade é
imediata, tanto quanto o sorriso tranquilo que mistifica a empatia e o flerte
Aquela dentição perfeita me conquistou como propaganda de creme dental
Nossa, clichê novamente ?!
O rubor da minha pela já não era de frio
Tudo começou à beira daquele rio
Xícaras de café e arte barata às margens do Sena figuravam como a
moldura perfeita para aquele ensaio
A lenta caminhada cujo ritmo cadenciávamos conforme o tempo que desejávamos
estar juntos é suspensa pelo encontro dos nossos lábios
Que lábio...
Feitos inicialmente como canal de entrada para o aparelho digestivo,
esses dois pedaços de carne que se juntam e se separam voluntariamente são
capazes de não só canalizar a alimentação, mas de abrir a alma
As pernas bambas de um misto de frio, arrepio, calor, fome, cede e tudo
que se resume em desejo
Não há quem aguente
É impossível não se apaixonar em Paris
Já era noite
Na última boulangerie aberta na cidade que cedo dorme havia um rapaz
que olhava indiscretamente para nós, como quem pudesse perceber o que havia no
ar, como se nossas auras colorissem o ambiente, como quem soubesse o que estava
por vir
Tudo o que eu queria era uma boa garrafa de vinho, que me acordasse
daquilo que me parecia um sonho, que me colocasse no prumo de uma embriaguez
passageira, que certamente curaria após uma breve ressaca
Vinho na mão, nos lábios, na cabeça
Marcas de batom na taça barata
Meia luz provocada pelo teto de vidro do loft no centro da cidade
Brisa de frio que passava por debaixo da porta de madeira
Gemia o piso provocado pela contração e troca de calor
Noite branca, em claro
Adornos musculares, desenhos delineados em forma de corpo pelas mãos de
um sábio criador, que colocou tudo em seu devido lugar
Um encaixe perfeito
Seria Paris mais uma vez jorrando magia?
Manhã de outono
Frio
Rio Sena lentamente passeando do lado de fora da minha janela
Pouca roupa me lembrava que fazia frio lá fora
Mas aqui dentro, aqui dentro, nada seria como antes
Nenhum outono seria tão quente assim
A tentativa de lembrar com exatidão o que ocorrera na última noite é em
vão
Toda temporada se resumiu em doze horas à margem desse rio, como uma
conexão no aeroporto de uma estação interplanetária, que lhe tira de órbita a
razão e qualquer outro sentido que ligue a terra e a uma suposta realidade para
a qual se deva voltar
Nada é para sempre?
Paris é para sempre!
E aquele outono ficará registrado na minha pele feito tatuagem
Reaparecendo em cada arrepio que terei daqui por diante
Eu poderei esquecer um dia, quem sabe... Mas a cidade...ah, essa há de lembrar
daquele par de olhos castanhos, das mãos dadas na calçada, da troca de olhares,
das risadas provocantes, do vinho, dos copos manchados, dos corpos, do calor que
fez naquele outono
Todos
esperam que passe a agonia, noites quentes, tardes com pés e mãos frias, peito
apertado e cabeça de liquidificador
Parecem
felizes na fotografia, o corpo já não age como antigamente
E hoje,
naquele instante, me parece meio doente, com um sorriso amarelo de quem quer
ser inocente
Só se eu
fosse demente, para não abrir o armário e expulsar esse percevejo voador
O filme,
quando revelado, não é tão bonito assim
Confusões
no gravador desconcertam as certezas outrora juradas
Quando me
lembro, me descubro vivendo os dias que me juraram ser dourados
Latão vale
mais que alumínio acobreado, porque o primeiro existe e insiste de fato, já o segundo não
passa de uma invenção do diabo para enganar a boa fé
Espalham
fatos e histórias que não foram, nem de longe, vividos com tamanha intenção
Hoje não
tem discussão, nada é tão importante assim
Apesar de
hoje, ter essa carga sangrenta nos meus olhos, consigo enxergar que amanhã há
de ser outro dia
Torço para
desentortar
Nem que
seja o sorriso na minha boca cheia de dentes, e a parte direita do meu rosto
que não para de trepidar
Quando
chegar o momento, vou cobrar com juros os lucros desse meu sofrimento
Quero
desinventar a ressaca constante que se instalou nos meus olhos
Amanhã vou
tentar me reconquistar e dar valor ao céu que aprendi a querer bem
Me entalo
com pão enquanto vejo o que acontece no templo de salomão
Enchem a
igreja de pessoas, oram para não chegar as suas horas, mas não procuram a
solução
Ao tempo
que voltam para suas casas, não respeitam a palavra minutos antes professada,
esculhambam mãe e pai, aos irmãos não pedem perdão
Não tem
paciência com o tempo, parecem não sentir o lamento, alimentam ainda mais as
suas dores, a aflição
Fico por
aqui cantando e catando seus cacos, seus desagrados, palavras fortes de quem
não sabe pedir socorro ou chorar a sua descendente solidão
Templos e
casas cheias de fantasias, mas no peito, no cerne da questão, habitam
personagens assustados, covardes, e por vezes frios
Com o
passar do tempo vai gastando esse status de personalidade difícil e revelar o
que deveras sempre foi, alguém que covardemente grita para espantar a sua
fraqueza e a sua incapacidade de acolher e de procurar solução, sempre deixando
nas mãos dos outros, sempre responsabilizando o alheio e deixando a vida para
depois
Não
esqueçamos que esse lance de solução é daqueles que de fato resolvem os
problemas, diferente daqueles que somente comentam o que “deveria ser feito” e
não pegam no cabo da inchada para semear a solução
É um lance
bem mais profundo que o simples e covarde “comentário”, que quer ter uma
validade que não lhe merece
Até porque,
nessa altura do campeonato, quem me chegar para representar esse tipo de prosa,
não vale mais que um punhado de bosta, porque comentar o problema sem solução
já é fazer parte dele seu cagão
Vou
esperar... estou esperando, enquanto contemplo o embranquecer dos meus cabelos
e envelheço o gosto do vinho nas papilas
Confiando
na providência, tomando vergonha na cara, me livrando dos ansiolíticos o quanto
posso, como do refrigerante sabor Cola
Deixa
chegar a hora, por enquanto o meu rosto diz que sim, e o meu peito ainda não
Um certo dia uma amiga me disse que com 7 dias todas as
cicatrizes começariam a se fechar, estou buscando essa cura desesperadamente
O silêncio faz barulho no meu coração
Fizemos em vida um pelo outro o que bem queriamos, sempre ao
lado, troncando de papéis entre quem cuida e quem precisa ser cuidado
O tempo nos colocou nessas duas situações, você foi meu cuidador e depois foi meu bebê
Os filhos são sinal de abundância, e como foi rico esse meu
querido velho
A cadeira de balanço na varanda, a refeição pontual e
silenciosa, as orações diárias, cada rádio arremessado ao vento com a derrota
do flamengo, os saudosos sábados regados à miolo de boi, fava, mocotó, tudo
isso banhado à Brahma gelada, ao som do violão... Quantos amigos cabiam naquela
mesa...?
Amou como poucos e, sem se importar com o que os outros
pensam, viveu na vida
Plantou em nós a semente da escrita e o desejo de desenhar
nas letras as histórias, a vida, a poesia e o
amor, colheu com o tempo a
sabedoria A maior das heranças? A musicalidade e a consciência da importância do estudo! A cantoria na hora do banho, esse apego à Altemar Dutra, à Nelson Gonçalves e a boa música, a correção minuciosa dos meus primeiros manuscritos...
Aquela velha enciclopédia Barsa vermelha que descansa na
sala de TV não sabe de nada diante do tema “vida plena” do qual ele foi Doutor
A partida é traiçoeira e mancha a fronha do meu travesseiro
com um choro manso de saudades
Despedida marcada pela vontade de Deus, porque se dependesse
de nós ela jamais chegaria
Ele seguiria abençoando à cada um como o sinal da cruz, como
fazia com aquelas imagens pregadas na parede amarelada da sala de estar todo
santo dia e noite
Sempre foi mais longe, sempre quis mais da vida, embora sua
humildade não deixasse escapar nem por um instante suas origens de menino pobre
Quando percebeu que os netos haviam ganho o mundo e se
espalhavam por esse plano terrestre nos desafiou com uma viagem para um lugar
ainda mais distante, ganhou asas, e como quem vai primeiro para preparar tudo,
partiu para o oriente eterno
E dessa vez doeu, doeu como nada havia provocado tamanha dor
Mas eu não posso pedir mais nada velhinho, não tenho esse
direito
Deus percebeu que já havíamos tido o suficiente e posso
dizer que aproveitei tanto, tanto, tanto de tua companhia e do teu amor, que terei
a obrigação de passar uma vida inteira distribuindo isso para ver se dou conta Vou continuar com o peito cheio de saudades para o resto dos meus dias, mas com uma saudade bonita
Valei-me minha Nossa Senhora do Carmo, porque o que me resta
é rezar
E essa noite, enquanto eu caçava o sono, tentando orar eu só
rezei você
Seu Pedro, Seu Pedrinho, Meu Velho, Meu Velhinho Roberta Moura
"Naquela mesa ele sentava sempre E me dizia sempre o que é viver melhor Naquela mesa ele contava histórias Que hoje na memória eu guardo e sei de cor Naquela mesa ele juntava gente E contava contente o que fez de manhã E nos seus olhos era tanto brilho Que mais que seu filho Eu fiquei seu fã Eu não sabia que doía tanto Uma mesa num canto, uma casa e um jardim Se eu soubesse o quanto dói a vida Essa dor tão doída não doía assim Agora resta uma mesa na sala E hoje ninguém mais fala do seu bandolim Naquela mesa tá faltando ele E a saudade dele tá doendo em mim Naquela mesa tá faltando ele E a saudade dele tá doendo em mim" (Naquela mesa - Nelson Gonçalves)