Amsterdã - Dez. 2016
A neblina tênue que cai do lado de fora da janela da cozinha anuncia a neve que está por vir
Não sabe
nada de frio esse truque da natureza em transformar água em vapor e em flocos
Não sabe
nada de solidão, nem do gélido iceberg que carrego no peito depois de tantos
anos
Desde
aquele caloroso 13 de março comecei a contar os dias do modo contrário,
revertendo o tempo para não enlouquecer de saudade
Dentro
desse cubículo de dois cômodo em Amsterdã vejo a vida passar por essa única
janela
Vejo o sol
lutando contra a névoa querendo aparecer de vez em quando, quando convém, o que
não é o suficiente para mim
Não me
convenço com os jovens de hoje, que dissipam suas vidas e tristezas trocando likes e confessando mentidas por uma
tela ainda menor que minha vidraça
Que
desperdício de vida!
Sinto
saudades dela, não me nego a vontade de sonhar
O charuto
entrelaçado nos dedos da minha mão esquerda poderia ser dividido com outra
boca, com quem também dividisse comigo a morte lenta que ele me provoca
Passou-se
tanto tempo, tantos quilômetros, tantas outras vidas, idas, chegadas e
partidas, que por vezes não sei mais quem sou
Somente a
carga dos anos, meus cabelos brancos, e essa barba platinada que insiste
crescer desenham em mim as marcas do tempo que passa vagaroso sem o seu olhar
Minha vaidade teria vergonha que me visse assim, desenhado nas dobras do meu corpo pelo pincel das horas e dias que não tardam em passar
Cai sobre
os meus ombros o peso de não ter contato a ela todos os dias o quanto era
preciosa, o quanto o ar que ela inspirava, respirava e transpirava me fazia bem
Que
decadência, somente um chá pode aquecer esse velho coração que insiste em bater
e retarda ainda mais nosso reencontro
Dizem que
existe beleza na morte, na pouca sorte
No homem
que, traído, mal diz o amor
Na vela que
queima a oração, na dor
Dizem que
existe beleza em tudo
Que existe
beleza na despedida, nas lágrimas sofridas de quem fica, na tristeza de quem
não lhe rendeu a devida atenção em vida
Não consigo
enxergar...
Pois para
um sujeito como eu, tudo em que se baseou a vida se mostrou mortal, não há como
ser diferente, eis aqui alguém na lama da tristeza
Roberta
Moura
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