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Todos os dias a Arte me toma de assalto e me leva para a Vida Real. Troco palavras, vejo pessoas, vivo um dia após o outro, como se o de ontem não tivesse existido, como se o de amanhã ainda estivesse muito longe de chegar.

quinta-feira, 23 de novembro de 2017

Velho coração gelado

Amsterdã - Dez. 2016

A neblina tênue que cai do lado de fora da janela da cozinha anuncia a neve que está por vir
Não sabe nada de frio esse truque da natureza em transformar água em vapor e em flocos
Não sabe nada de solidão, nem do gélido iceberg que carrego no peito depois de tantos anos 
Desde aquele caloroso 13 de março comecei a contar os dias do modo contrário, revertendo o tempo para não enlouquecer de saudade
Dentro desse cubículo de dois cômodo em Amsterdã vejo a vida passar por essa única janela
Vejo o sol lutando contra a névoa querendo aparecer de vez em quando, quando convém, o que não é o suficiente para mim
Não me convenço com os jovens de hoje, que dissipam suas vidas e tristezas trocando likes e confessando mentidas por uma tela ainda menor que minha vidraça
Que desperdício de vida!
Sinto saudades dela, não me nego a vontade de sonhar
O charuto entrelaçado nos dedos da minha mão esquerda poderia ser dividido com outra boca, com quem também dividisse comigo a morte lenta que ele me provoca
Passou-se tanto tempo, tantos quilômetros, tantas outras vidas, idas, chegadas e partidas, que por vezes não sei mais quem sou
Somente a carga dos anos, meus cabelos brancos, e essa barba platinada que insiste crescer desenham em mim as marcas do tempo que passa vagaroso sem o seu olhar
Minha vaidade teria vergonha que me visse assim, desenhado nas dobras do meu corpo pelo pincel das horas e dias que não tardam em passar
Cai sobre os meus ombros o peso de não ter contato a ela todos os dias o quanto era preciosa, o quanto o ar que ela inspirava, respirava e transpirava me fazia bem
Que decadência, somente um chá pode aquecer esse velho coração que insiste em bater e retarda ainda mais nosso reencontro
Dizem que existe beleza na morte, na pouca sorte
No homem que, traído, mal diz o amor
Na vela que queima  a oração, na dor
Dizem que existe beleza em tudo
Que existe beleza na despedida, nas lágrimas sofridas de quem fica, na tristeza de quem não lhe rendeu a devida atenção em vida
Não consigo enxergar...
Pois para um sujeito como eu, tudo em que se baseou a vida se mostrou mortal, não há como ser diferente, eis aqui alguém na lama da tristeza


Roberta Moura




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