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Todos os dias a Arte me toma de assalto e me leva para a Vida Real. Troco palavras, vejo pessoas, vivo um dia após o outro, como se o de ontem não tivesse existido, como se o de amanhã ainda estivesse muito longe de chegar.

quinta-feira, 23 de novembro de 2017

Era ela e era eu


Berlin, Jan. 2017.

Ela gritou como se não houvesse um amanhã, aquela noite foi dos infernos
Chamou seu nome com toda a força que o seu peito respirava, atrás da porta se engalfinhou como um filhote no ninho
Chorou copiosamente a sua falta
A cada vez que soletrava as letras da sua alcunha me cortava a alma feito navalha
Clamou, rogou à Deus a sua volta
Ela morreu todos os dias e velou a sua ausência
Se debruçou como criança no meu colo
Como ela chorou
Berrou as letras das músicas como quem toma posse e ignora o autoral
Ela sucumbiu
Foi ao caos encontrado após o fundo do poço, ela não enxergara o fim do túnel
Enfim, depois de umas léguas e desidratação profunda, do outro lado do atlântico, ela ressurgiu
Percebeu que era ela, não você
Que a sua ignorância face ao amor te eximava o dolo
Ela não entendia que naquele tempo era muito mais que você, que na verdade sempre foi
Na verdade, não queria, nem fazia sentido entender
Faz um tempo a encontrei
De cabelo cortado, mascando um biscoito infantil enquanto me contava suas andanças
Ainda com cacoetes de adolescência, coçava os olhos enquanto falava
Sem pisar nas linhas da calçada caminhamos por paisagens que nunca viram nossos passos
Por terras que não conhecem as nossas frases de efeito, usando roupas que impedem o toque das nossas mãos
Ela continua a mesma
É estranho voltar, dizer o que nunca se disse, usar subterfúgios
Ver ela falar desesperadamente, sem piscar
Calar e deixar a coisa fluir, analisar cada linha do seu rosto e perceber que o tempo passou
Percebo: como eu queria ser ela e como odiei você inutilmente
Porque não era você, era ela
Que nunca percebeu que eu estive sempre por perto, ao redor
Mas o problema é que ela estava em mim, mas eu não estava nela


Roberta Moura


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