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Todos os dias a Arte me toma de assalto e me leva para a Vida Real. Troco palavras, vejo pessoas, vivo um dia após o outro, como se o de ontem não tivesse existido, como se o de amanhã ainda estivesse muito longe de chegar.

quinta-feira, 19 de abril de 2012

De Boca Fechada




Em boca fechada não entra mosquito, já dizia o velho ditado
De boca fechada não se beija bem
Não se fala ao amado o que se sente
Também não se profana a verdade
De boca fechada a promessa não vale um vintém
Para a boca fechada suco de mangaba
Para mangar menos, para “menos prezar”
Na boca fechada se esconde os dentes, os belos, os tronchos, os mais carentes, os que limpamos com Corega, os que se intitulam limpos e aqueles que nem falta fazem a gente
Chega a ser um pecado ter dentes tão bonitos e não falar a verdade
De boca fechada aprecio o silêncio, aprendo com o redor mais do que com o interior, deixo o tempo passar no seu compasso lento
De boca fechada sinto a mente mais aberta, o peito mais receptivo tentando achar a palavra certa
As vezes me pego resmungando, “porque não fiz aquilo antes”, “porque fui tão demente?”
De boca fechada converso com a minha solidão, e ela me responde com esse ensurdecedor silêncio, que brota do meu coração...
Calar que me responde quase tudo, que o porquê da resposta quase sempre está embutido na própria questão
De boca fechada eu vejo melhor, vejo quase tudo
Quase tudo que me cabe, coisas que me fazem ficar mudo
Ignorância que despertar em mim a vontade de fechar-lhes a boca com um soco profundo
Violentas palavras jogadas, não sabem o efeito que causam e que da minha boca nunca fizeram morada
Como as que, de vez em quando, me acertam com palavras, na boca do estômago
Não tenho outras escolhas, só escuto
Não meu bem, não é castigo
Boca fechada na verdade é um alívio, para quem não tem muito tempo para perder
De boca fechada reage a minha brutalidade, pelo clamor que brota do meu contido conceito de decência
Sentido que não vale a pena ser ofertado a certos disparadores, mas que compreende a minha sofrida essência
Cala-te boca malfadado existente
Cala-te a fossa que te cobre os dentes, afasta o teu olho obeso dos meus caninos salientes
Tanta besteira, tanto aeromodelismo no meu céu de brigadeiro
Tem que comer muito feijão com arroz meu filho, para viver de verdade pelo menos um dia inteiro
Quiçá uma vida
Destarte, imaginara ele ver nascer os molares
Que nada, e ter que arrancá-los sem anestesia?
Não conhece a dor de tê-los visto vir ao mundo em vão, numa boca que abriga tantos outros co-irmãos
Quem sabe de nada se cale
Prefiro me calar e não ter tanta graça, que contar tantas vezes a mesma piada
Sem divertimento, até para o demente que conta
Vai sentindo o gosto dessa suposta vitória que te encontra
Acha engraçado tirar sarro dos mancos, as vezes até neles se encontra
Na vitrine tudo é igual, só muda o que passa, o que é extemporâneo, o que demora apenas um carnaval
Para o resto da moda, o durar de uma coleção não é nada "anomal"
Ela vai passar e outras temporadas virão, outros queixos cairão, ou cerrar-se-ão os lábios em um sentido reprovador
Nem mesmo isso ficará
Quando tudo acaba e voltamos para casa, silenciamos obrigatoriamente com o chegar da noite
Onde tudo é bem mais profundo e assutador
Onde a boca aberta despeja baba no lençol
Onde todos torcem para ter alguém do lado, para abrir a boca merecidamente para chama-lo de amor

Roberta Moura



quarta-feira, 18 de abril de 2012

Castelo de Cartas Marcadas




Ela voltou
Por cima da carne seca, ela voltou
Com sede e fome de gente
E eu, que tanto a quero, que tanto espero
La vem ela
Com a cor do sol e cheiro de canela
Vem sorrateira, como quem não quer nada, como quem pula a janela
Com o cabelo de lado e os olhos que trazem todo o seu cansaço
Chega ligeiro, feito criança
Querendo colo, apagando as lembranças
Me mande notícias, me diga que vem
Espero o seu sim de todos os dias, o calor da sua agonia, sou seu refém
Não me queira mal, também não me queira tão bem
Há pouco os cortes ainda sangravam, demorou largos dias a tal da cura
Mas a angústia de outrora não enche a nossa casa, é a alegria que me assalta
Que toma o meu riso, findou –se o tempo do castigo
Vem pra cá e tira essa roupa suada, revista-se apenas e perfume e sorriso
Porque é disso que eu preciso para ser feliz
Hoje eu conto para as paredes a nossa história
Alinho os tijolos da nossa morada, empilho os sonhos, construo na nossa vida um castelo de cartas marcadas
Em um casebre de sonhos e de ledice, que tremeu por vezes a base, mas não se abalou
Que sempre acredita em todas as suas mais loucas fantasias
Eu nunca fui embora
Nem ontem, nem hoje, nem outrora
Ela também não me deixa fugir
Pede para que eu mande lembranças, que escreva, que lhe dê vida, que não permita sucumbir
Me lembra e relembra todos os fatos, as mancadas, os acertos da nossa velha infância
Ela é o que me levanta, o que leva sem volta, o que fica, o que demora
O que sara a minha dor de manhã, o que espero e espero, o tempo que for para tê-la de volta
Minha inspiração
É um outro alguém, quem posso chamar de meu, de meu amor

Roberta Moura