Em
boca fechada não entra mosquito, já dizia o velho ditado
De
boca fechada não se beija bem
Não
se fala ao amado o que se sente
Também
não se profana a verdade
De
boca fechada a promessa não vale um vintém
Para
a boca fechada suco de mangaba
Para
mangar menos, para “menos prezar”
Na
boca fechada se esconde os dentes, os belos, os tronchos, os mais carentes, os
que limpamos com Corega, os que se intitulam limpos e aqueles que nem falta fazem a gente
Chega
a ser um pecado ter dentes tão bonitos e não falar a verdade
De
boca fechada aprecio o silêncio, aprendo com o redor mais do que com o
interior, deixo o tempo passar no seu compasso lento
De
boca fechada sinto a mente mais aberta, o peito mais receptivo tentando achar a
palavra certa
As
vezes me pego resmungando, “porque não fiz aquilo antes”, “porque fui tão
demente?”
De
boca fechada converso com a minha solidão, e ela me responde com esse ensurdecedor
silêncio, que brota do meu coração...
Calar
que me responde quase tudo, que o porquê da resposta quase sempre está embutido
na própria questão
De
boca fechada eu vejo melhor, vejo quase tudo
Quase
tudo que me cabe, coisas que me fazem ficar mudo
Ignorância
que despertar em mim a vontade de fechar-lhes a boca com um soco profundo
Violentas
palavras jogadas, não sabem o efeito que causam e que da minha boca nunca
fizeram morada
Como
as que, de vez em quando, me acertam com palavras, na boca do estômago
Não
tenho outras escolhas, só escuto
Não meu bem, não é castigo
Boca fechada na verdade é um alívio, para quem não tem muito tempo para perder
De
boca fechada reage a minha brutalidade, pelo clamor que brota do meu contido
conceito de decência
Sentido
que não vale a pena ser ofertado a certos disparadores, mas que compreende a
minha sofrida essência
Cala-te
boca malfadado existente
Cala-te
a fossa que te cobre os dentes, afasta o teu olho obeso dos meus caninos
salientes
Tanta
besteira, tanto aeromodelismo no meu céu de brigadeiro
Tem
que comer muito feijão com arroz meu filho, para viver de verdade pelo menos um
dia inteiro
Quiçá
uma vida
Destarte,
imaginara ele ver nascer os molares
Que
nada, e ter que arrancá-los sem anestesia?
Não
conhece a dor de tê-los visto vir ao mundo em vão, numa boca que abriga tantos
outros co-irmãos
Quem
sabe de nada se cale
Prefiro me
calar e não ter tanta graça, que contar tantas vezes a mesma piada
Sem
divertimento, até para o demente que conta
Vai
sentindo o gosto dessa suposta vitória que te encontra
Acha
engraçado tirar sarro dos mancos, as vezes até neles se encontra
Na
vitrine tudo é igual, só muda o que passa, o que é extemporâneo, o que demora
apenas um carnaval
Para
o resto da moda, o durar de uma coleção não é nada "anomal"
Ela
vai passar e outras temporadas virão, outros queixos cairão, ou cerrar-se-ão os
lábios em um sentido reprovador
Nem
mesmo isso ficará
Quando
tudo acaba e voltamos para casa, silenciamos obrigatoriamente com o chegar da
noite
Onde
tudo é bem mais profundo e assutador
Onde
a boca aberta despeja baba no lençol
Onde
todos torcem para ter alguém do lado, para abrir a boca merecidamente para
chama-lo de amor
Roberta Moura
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