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Todos os dias a Arte me toma de assalto e me leva para a Vida Real. Troco palavras, vejo pessoas, vivo um dia após o outro, como se o de ontem não tivesse existido, como se o de amanhã ainda estivesse muito longe de chegar.

quinta-feira, 23 de novembro de 2017

Coração Semâtico

Londres, Dez. 2016.


Faz tempo eu queria dedicar-lhe algumas letras
Gastar caneta e papel em homenagem à inspiração que é amar
Escrevo palavras tortas em papel dourado e o retilíneo que explicam meus pensamentos tortos
Eles não consoam com a minha ansiedade
Estou quase morrendo de amor, mas não deixarei herdeiros
Faço música e arte para não enlouquecer durante esse caminho
É de uma avidez gritante passar a vida buscando um corpo que se pareça com o seu, que se encaixe 
Caçando uma vida que não é sua, que não compartilha da sua presença, que é tão sem você
Tentando fingir o que não pode ser, a vida me coloca em frente à um precipício de incertezas
Frustração aguda e gratuita!
As letras não me obedecem, mas mesmo assim a junção ainda é meu mais válido antidepressivo
Para um coração semântico tanto faz um coração meio cheio ou meio vazio de amor
Letras hábeis, difícil sentido, amor corrompido, segue o labirinto da ilusão
Logo eu... de amor de botas batidas? de correr tanto? 
Me vejo pregada no tempo, ferroada nas costas pela sentimentalidade
Pouca noite para muitos sonhos, coisas da madrugada
Copo de água para assustar o pesadelo, não traz de volta o amor em sete dias, não arranca a tristeza, nem leva embora a desilusão


Roberta Moura



Era ela e era eu


Berlin, Jan. 2017.

Ela gritou como se não houvesse um amanhã, aquela noite foi dos infernos
Chamou seu nome com toda a força que o seu peito respirava, atrás da porta se engalfinhou como um filhote no ninho
Chorou copiosamente a sua falta
A cada vez que soletrava as letras da sua alcunha me cortava a alma feito navalha
Clamou, rogou à Deus a sua volta
Ela morreu todos os dias e velou a sua ausência
Se debruçou como criança no meu colo
Como ela chorou
Berrou as letras das músicas como quem toma posse e ignora o autoral
Ela sucumbiu
Foi ao caos encontrado após o fundo do poço, ela não enxergara o fim do túnel
Enfim, depois de umas léguas e desidratação profunda, do outro lado do atlântico, ela ressurgiu
Percebeu que era ela, não você
Que a sua ignorância face ao amor te eximava o dolo
Ela não entendia que naquele tempo era muito mais que você, que na verdade sempre foi
Na verdade, não queria, nem fazia sentido entender
Faz um tempo a encontrei
De cabelo cortado, mascando um biscoito infantil enquanto me contava suas andanças
Ainda com cacoetes de adolescência, coçava os olhos enquanto falava
Sem pisar nas linhas da calçada caminhamos por paisagens que nunca viram nossos passos
Por terras que não conhecem as nossas frases de efeito, usando roupas que impedem o toque das nossas mãos
Ela continua a mesma
É estranho voltar, dizer o que nunca se disse, usar subterfúgios
Ver ela falar desesperadamente, sem piscar
Calar e deixar a coisa fluir, analisar cada linha do seu rosto e perceber que o tempo passou
Percebo: como eu queria ser ela e como odiei você inutilmente
Porque não era você, era ela
Que nunca percebeu que eu estive sempre por perto, ao redor
Mas o problema é que ela estava em mim, mas eu não estava nela


Roberta Moura


Vejo poesia

Paris, Dez. 2016.


Quando ela cola os seus olhos sobre o meu evito respirar para não perder uma só fração de segundo desse momento mágico
Basta um toque sobre minha mão, basta uma palavra para me mudar o rumo do dia
Um beijo é como um afago na alma
O meu coração pulsa as cores que roubei do seu sorriso
O frio na espinha, o desejo, o amor...
Não entendo como tudo isso cabe naquele frasco azul de perfume que guardo com cuidado na prateleira da alma
Tanto tempo se passou e eu ainda vejo seu jeito de menina por trás desse semblante de mulher
Poderia carrega-la na garupa da minha bicicleta vermelha e passear por toda a cidade sem me cansar as pernas, movida pela endorfina provocada pelo enlace dos seus braços na minha cintura
Poderia reescrever a história só contanto as coisas boas, para que fique eternamente gravada na memória e jamais nos faça duvidar do nosso objetivo em comum
Ah! Eu poderia dizer que a amo todos os dias se isso bastasse, se fosse o suficiente...
Mas a vida compartilhada é o maior do presente que alguém já pode dar à outro
Os momentos de fraqueza, a loucura do cotidiano, a insanidade da ansiedade, isso ninguém vê além de mim 
Gosto do gosto, do gasto
Do jeito que a mão toca  a minha mão
Do cheiro de cama, do olhar procurando o meu
Nela vejo poesia
O horizonte foi o lugar que o sol escolheu para beijar o mar ao amanhecer e foi lá onde nos encontramos pela primeira vez
Como uma linha tão tênue pode esconder tamanha intimidade?
Como pode decifrar e unificar o que há dentro de mim e de você?
Essa jornada seguirá ao seu encontro, circulando, construindo o legado e renovando o amor


Roberta Moura


Velho coração gelado

Amsterdã - Dez. 2016

A neblina tênue que cai do lado de fora da janela da cozinha anuncia a neve que está por vir
Não sabe nada de frio esse truque da natureza em transformar água em vapor e em flocos
Não sabe nada de solidão, nem do gélido iceberg que carrego no peito depois de tantos anos 
Desde aquele caloroso 13 de março comecei a contar os dias do modo contrário, revertendo o tempo para não enlouquecer de saudade
Dentro desse cubículo de dois cômodo em Amsterdã vejo a vida passar por essa única janela
Vejo o sol lutando contra a névoa querendo aparecer de vez em quando, quando convém, o que não é o suficiente para mim
Não me convenço com os jovens de hoje, que dissipam suas vidas e tristezas trocando likes e confessando mentidas por uma tela ainda menor que minha vidraça
Que desperdício de vida!
Sinto saudades dela, não me nego a vontade de sonhar
O charuto entrelaçado nos dedos da minha mão esquerda poderia ser dividido com outra boca, com quem também dividisse comigo a morte lenta que ele me provoca
Passou-se tanto tempo, tantos quilômetros, tantas outras vidas, idas, chegadas e partidas, que por vezes não sei mais quem sou
Somente a carga dos anos, meus cabelos brancos, e essa barba platinada que insiste crescer desenham em mim as marcas do tempo que passa vagaroso sem o seu olhar
Minha vaidade teria vergonha que me visse assim, desenhado nas dobras do meu corpo pelo pincel das horas e dias que não tardam em passar
Cai sobre os meus ombros o peso de não ter contato a ela todos os dias o quanto era preciosa, o quanto o ar que ela inspirava, respirava e transpirava me fazia bem
Que decadência, somente um chá pode aquecer esse velho coração que insiste em bater e retarda ainda mais nosso reencontro
Dizem que existe beleza na morte, na pouca sorte
No homem que, traído, mal diz o amor
Na vela que queima  a oração, na dor
Dizem que existe beleza em tudo
Que existe beleza na despedida, nas lágrimas sofridas de quem fica, na tristeza de quem não lhe rendeu a devida atenção em vida
Não consigo enxergar...
Pois para um sujeito como eu, tudo em que se baseou a vida se mostrou mortal, não há como ser diferente, eis aqui alguém na lama da tristeza


Roberta Moura