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Todos os dias a Arte me toma de assalto e me leva para a Vida Real. Troco palavras, vejo pessoas, vivo um dia após o outro, como se o de ontem não tivesse existido, como se o de amanhã ainda estivesse muito longe de chegar.

sexta-feira, 27 de outubro de 2017

À Paris, avec amour



Era outono e Paris estava mais linda que nunca
Fazia frio, mas não tanto quanto se esperava
Sentada na beirada da cabeceira da Pont des Arts esperava que a vida passasse breve, que chegasse o verão em meu coração, esperava os trópicos
Ao levantar o queixo à esquerda percebo a sua vinda, vestindo vermelho e preto
E ele está acompanhado de todo o calor pertinente à sua existência, à sua natureza
Arrisco três palavras do meu lamentável francês e a receptividade é imediata, tanto quanto o sorriso tranquilo que mistifica a empatia e o flerte
Aquela dentição perfeita me conquistou como propaganda de creme dental
Nossa, clichê novamente ?!
O rubor da minha pela já não era de frio
Tudo começou à beira daquele rio
Xícaras de café e arte barata às margens do Sena figuravam como a moldura perfeita para aquele ensaio
A lenta caminhada cujo ritmo cadenciávamos conforme o tempo que desejávamos estar juntos é suspensa pelo encontro dos nossos lábios
Que lábio...
Feitos inicialmente como canal de entrada para o aparelho digestivo, esses dois pedaços de carne que se juntam e se separam voluntariamente são capazes de não só canalizar a alimentação, mas de abrir a alma
As pernas bambas de um misto de frio, arrepio, calor, fome, cede e tudo que se resume em desejo
Não há quem aguente
É impossível não se apaixonar em Paris
Já era noite
Na última boulangerie aberta na cidade que cedo dorme havia um rapaz que olhava indiscretamente para nós, como quem pudesse perceber o que havia no ar, como se nossas auras colorissem o ambiente, como quem soubesse o que estava por vir
Tudo o que eu queria era uma boa garrafa de vinho, que me acordasse daquilo que me parecia um sonho, que me colocasse no prumo de uma embriaguez passageira, que certamente curaria após uma breve ressaca
Vinho na mão, nos lábios, na cabeça
Marcas de batom na taça barata
Meia luz provocada pelo teto de vidro do loft no centro da cidade
Brisa de frio que passava por debaixo da porta de madeira
Gemia o piso provocado pela contração e troca de calor
Noite branca, em claro
Adornos musculares, desenhos delineados em forma de corpo pelas mãos de um sábio criador, que colocou tudo em seu devido lugar
Um encaixe perfeito
Seria Paris mais uma vez jorrando magia?
Manhã de outono
Frio
Rio Sena lentamente passeando do lado de fora da minha janela
Pouca roupa me lembrava que fazia frio lá fora
Mas aqui dentro, aqui dentro, nada seria como antes
Nenhum outono seria tão quente assim
A tentativa de lembrar com exatidão o que ocorrera na última noite é em vão
Toda temporada se resumiu em doze horas à margem desse rio, como uma conexão no aeroporto de uma estação interplanetária, que lhe tira de órbita a razão e qualquer outro sentido que ligue a terra e a uma suposta realidade para a qual se deva voltar
Nada é para sempre?
Paris é para sempre!
E aquele outono ficará registrado na minha pele feito tatuagem
Reaparecendo em cada arrepio que terei daqui por diante
Eu poderei esquecer um dia, quem sabe... 
Mas a cidade...ah, essa há de lembrar daquele par de olhos castanhos, das mãos dadas na calçada, da troca de olhares, das risadas provocantes, do vinho, dos copos manchados, dos corpos, do calor que fez naquele outono
Paris não vai esquecer

Roberta Moura




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