Edimburgo, Escócia, 2018.
Orlando tomava chá no coração da sala, contemplava
o tempo que lhe passava rápido demais e lhe enchia de rugas as mãos. Repara
como o tempo não volta, como marca com linhas longitudinais os traços da mão,
dizia ele entediado.
Da sala avistava os traços irregulares dos galhos
das árvores, que mais lhe pareciam veias de sangue negro. Sofria aquele homem o
abandono da mulher amada, como sofria...
Naquele inverno tudo estava mais latente, desde a
neve que insistia em cair, quanto a gravidade que não lhe perdoava, representada
nas costumeiras dores nas ancas.
Com uma das mãos segurava um antigo exemplar de Um
Teto Todo Seu, com a outra mergulhava e submergia a colher na infusão feita de mate
torrado, água e tempo, tudo que seria necessário para aquecer o corpo, tendo em
vista que sua alma parecia não mais ter remédio que despertasse o calor.
Orlando esperou tanto tempo, toda a vida, sem nada
reclamar. Fez planos, pintou a casa, lustrou os móveis, comprou à prestação o
sofá que ela tanto queria, moldou a silhueta com a roupa que ela escolhera, mas
tudo a debalde. No fundo, bem no fundo, ele sempre soube disso, que prescindiria
nela a razão de nunca o pertencer. Que novamente seria posto de lado, como se ele
tivesse que pagar karmicamente a missão de tê-la por etapas, nunca para sempre.
Orlando caiu feito um pato nas armadilhas do
destino, mesmo conhecendo todos os caminhos e avistando as mensagens na linha
do tempo que lhes parecia tentar avisar sobre o que lhe esperava.
Mas meias palavras não bastam para que m carrega uma certeza
tão monstruosa quanto o amor que ele sempre sentiu por ela. Talvez não baste todo
o alfabeto e uma sequencia de frases compostas ardilosamente de verbos
transitivos indiretos. Não basta a gramática, nem mesmo as frases curtas e
programadas dela. Ele sempre quis mais que isso, porque sempre teve muito mais para
dar.
Mas, mesmo diante de toda a sua loucura de amor, da
sua paixão desmedida, do caos que permitiu que se instalasse em si mesmo, não foi
o suficiente para desquita-la do marasmo no qual ela lucidamente aceitava
sobreviver, com a desculpa de amor, de retribuição.
Talvez a mediocridade da segurança, o pasmo reflexo
do “deixar quieto o que está quieto” tenha fisgado os seus dias, talvez Orlando
tenha a assustado com suas certezas exageradas.
O que corre nos corredores do distrito é que ele sempre
foi demais para ela, ela sabia disso. Ela fez sua escolha, preferiu viver à
míngua de amor que há sombra da áurea livre dele. Mais uma vez ela perdeu a grande chance, o
cavalo selado, a devoção total de outros ser humano, ela perdeu muito mais que ele,
perdeu a chance de conhecer a vida real.
Aquela sala está vazia agora, sem ela... oxalá possa
aparecer viva alma que um dia o-pertença com um amor tão intenso que desperte
nele novamente o ensejo de fazer alguém feliz por toda vida.
Talvez isso é o que mais entristeça o nobre rapaz
de barba por fazer, e deixa feito um umbral de sentimentos o seu peito, a falta
de fé dela, de quem desistiu de saltar para a vida, desistiu de viver.
Roberta Moura
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