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Todos os dias a Arte me toma de assalto e me leva para a Vida Real. Troco palavras, vejo pessoas, vivo um dia após o outro, como se o de ontem não tivesse existido, como se o de amanhã ainda estivesse muito longe de chegar.

sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

O rapaz, a moça, o perdão e o velho Chico


Rendo homenagens a Chico Buarque de Hollanda, meu grande ídolo. Nesse texto, ousei usar trechos das letras de suas músicas, todas entre "aspas". Deliciem-se com esse maestro da vida comum e meus curtos pensamentos! 


Vestindo um vestido branco com cortes assimétricos, sentada em uma cadeira velha de mogno, de pernas abertas, escancarada
É assim que me lembro dela
Cabelos soltos ao vento, meio cor de chocolate, com fios solares reluzentes
Um cálice que não seca lhe enche a mão
Ela contempla o silêncio que habita em seu peito e delicia-se com o passar do tempo ao seu amor
Orando e refletindo ela fala: “As pessoas têm medo das mudanças, eu tenho medo que as coisas nunca mudem"
Preenchendo seu peito de perdão, ela sugere mais vida para a tristeza
Uma porção extra de gentileza
Seu copo está meio de lado, derrubando vinho a cada gargalhada que lhe faz tremer a carcaça
Pede desculpas por ser desengonçada
Seu indumento foge da cor natural, respingando o rubor da bebida que lhe entorpece
Queria pintar também o corpo com suas iniciais, mas seu querido homenagens não merece
Ensaia algumas palavras: “Quero ficar no teu corpo feito tatuagem, que é pra te dar coragem, pra seguir viagem, quando a noite vem, e também pra me perpetuar em tua escrava, que você pega, esfrega, nega, mas não lava”
Costuma sonhar acordada, soprando lirismo aos quatro ventos, coisas de não sei o que, coisas que ninguém quer saber, tantas verdades e mentiras que seus olhos as vezes se cansam de assistir
Sorri discretamente das provocações, Monalisa com dinheiro, indaga: “Quem me vê sempre parado, distante garante que eu não sei sambar, tô me guardando pra quando o carnaval chegar”
Pousa para uma foto ou duas, e basta, ta bom, já se mostrou demais
Perdoa-se pelo gênio confuso que combate desde cedo
Recolhe-se à insignificância que as vezes lhe bate no peito, sente-se injustiçada e reclama: “Hoje na solidão ainda custo a entender como o amor foi tão injusto pra quem só lhe foi dedicação”
Recompõe-se feito a fênix, volta a realidade que lhe fora roubada por segundos, pensa em perdão, oferece sem que seja pedido, perdoa de coração
Questiona-se quanto à sua própria coragem, se envaidece, repete o que promete, cumpre até o que lhe impede, diz: “Quando nasci veio um anjo safado, o chato de um querubim, e decretou que eu tava predestinado, a ser errado assim, já de saída a minha estrada entortou, mas vou até o fim”
Dobra a rodada de bebericos e oferece aos seus amigos professando o amor: “De todas as maneiras que há de amar nós já nos amamos, com todas as palavras feitas para sangrar já nos cortamos, agora já passa da hora, tá lindo lá fora, larga a minha mão, solta as unhas do meu coração, que ele está apressado, e desanda a bater desvairado, quando entra o verão”  
Chega viva ao fim da noite, cambaleando, trocando as pernas, segurando-se em um ombro amigo, falando alto me repete, no ouvido: “Ouça um bom conselho que eu lhe dou de graça, inútil dormir que a dor não passa”
Essa menina de dedos curtos e pensamentos longos chora na madrugada, vaga pela cidade, me chamando para com o seu veneno cear: “...Venha, meu amigo. Deixe esse regaço. Brinque com meu fogo. Venha se queimar. Faça como eu digo. Faça como eu faço. Aja duas vezes antes de pensar... Eu semeio o vento. Na minha cidade. Vou pra rua e bebo a tempestade...”
Eu que não sou bobo carrego-a para minha vida, alimento minha sorte e meu azar da esperança, passeio ao seu lado desde minha mais remota infância, quero com ela ficar
Construo uma casa com nossos sonhos, dia a pós dia, me lembrando da saia rodada, dos sopros, do vinho e do mar a rebentação
As vezes perdôo seus deslizes, as vezes me perdôo, as vezes não
Tento viver um dia por vez, me acostumando com nossos erros e acerto, ambicionando sempre mais de mim mesmo, querendo ver passar a procissão
Antes de deitar passo um tempo pensando nas coisas que já se passaram, querendo concertar tantas coisas, que bobagem essa minha, nada altera o que já transpôs
Aprecia-me o amor e reclama, “Também acho uma delícia quando você esquece os olhos em cima dos meus”
Assento minha cabeça ao seu lado a noite e descanso, ela aperreada me chama pelo nome, cantarolo algumas doces palavras para que torne a dormir: "O que será ser só, quando outro dia amanhecer? Será recomeçar? Será ser livre sem querer?"
Fecho e abro os olhos e já é outro dia, da minha mais nova alegria, te vejo ao lado respirando, dando vida aos meus sonhos e lamentos
Cai por terra a graça da eternidade, quando na verdade o que nutre o meu desejo de continuar é a mortalidade
Porque a única coisa imortal em mim é ela
Ela vai dormir querendo mudar o mundo, e acorda com uma batia dor de cabeça, de ressaca, tendo que se espremer em um coletivo lotado, percebe que nada mudou
Saiu de casa de armadura fechada e espada embainhada, querendo pegar o ladrão, “ao meio dia me calo, me entalo, com a boca cheia de feijão”
As seis da tarde volto ao castelo, “Ela pega e me espera no portão, Diz que está muito louca pra beijar, E me beija com a boca de paixão”
Abro os olhos e sinto que tudo isso não me passava de um sonho, que vou continuar esperando dias melhores, aguardando sua serenata na minha janela
“Ela é minha menina viu”, eu sou eu o seu rapaz, “Meu corpo é testemunha do bem que ela me faz”
Vou caminhando pela vida escutando suas palavras fantasmagóricas: “Guarda-Me, Como a Menina dos seus Olhos, Ela é a Tal, Sei que Ela pode ser Mil, Mas não existe outra igual”

Roberta Moura


Um comentário:

  1. Arrasoou!!! Foi ótimo!! Belo :)
    Parabéns, parafraseou Chico a sua altura :)
    Seja feliz!! =*

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