Obra intitulada Baco - Caravaggio
Não se faz
mais amantes como nós dois
Basta uma
fresta por onde entre o ar do templo nublado
Basta Hitchcock
nos dar motivo para encostar
Basta um
vinho barato e uma conversa na beira do mar
Basta você
chegar
Métrica e
linhas nunca nos traduziram bem
Não nos denominamos
jamais
Jamais
fomos embora de vez
Jamais
fomos
Basta
janeiro chegar, para mimar você nas quatro estações
Minha pátria
é o teu colo, o sossego dos mais “ais”
Meu brasão
o teu nome alegora
Sou um
soldado depois da guerra, sem bandeira para hastear
Nunca nos
demos patente
Mas basta
você me olhar e tudo muda, tudo vai se encaixar
Basta
acenar com a cabeça, olhando de lado, com uma das sobrancelhas arqueada
Não há mais
tamanha devoção como a nossa
Rugir de leões
e ursos pardos rasgando o prelúdio
Somos nós
Os relatos
nunca contam o que de fato acontece
Relatos são
meras peças de um quebra-cabeça montado por quem conta
Acredita
que sabe, sabe nada o contador
Conta o que
lhe parece que causará dor
Somos uma
obra rara sem terminação
Como o auto-retrato no vinho de um Caravaggio
Nós dois
somos de um só
Não se faz
mais amor como o nosso
Banhados de
perfume e sedução, sem precedentes
Passeio de
bicicleta, caminhada lenta no quintal, conversa de pé de ouvido
Segredos
que já não eram só meus, o amor não vai embora
Embora o
tempo demore, e as casas já não são mais tingidas das mesmas coisas
Paredes
mudam de lugar
Aprendemos
a voar na madrugada, plainando sob os prédios da cidade
Os amantes
sabem de tudo o que acontecem na madrugada
Sempre soubemos de tudo desse universo que nos une e que nos destrói
Pouco
usamos à nosso favor das magias desenvolvidas nas Brumas de Avalon
Como um castelo
sem o seu aristocrata nos abandonamos e nos vigiamos de longe
Na
sapiência de que quando voltarmos reconheceremos cada pastilha do piso de
madeira, cada cadeira e seu arranhão no ladrilho
Cada
cobertor que escondeu nossas vergonhas, cada dobra dos nossos corpos e do nosso
orgulho idiota
Roberta
Moura
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