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Todos os dias a Arte me toma de assalto e me leva para a Vida Real. Troco palavras, vejo pessoas, vivo um dia após o outro, como se o de ontem não tivesse existido, como se o de amanhã ainda estivesse muito longe de chegar.

sexta-feira, 22 de janeiro de 2016

Não há mais...

Obra intitulada Baco - Caravaggio



Não se faz mais amantes como nós dois
Basta uma fresta por onde entre o ar do templo nublado
Basta Hitchcock nos dar motivo para encostar
Basta um vinho barato e uma conversa na beira do mar
Basta você chegar
Métrica e linhas nunca nos traduziram bem
Não nos denominamos jamais
Jamais fomos embora de vez
Jamais fomos
Basta janeiro chegar, para mimar você nas quatro estações
Minha pátria é o teu colo, o sossego dos mais “ais”
Meu brasão o teu nome alegora
Sou um soldado depois da guerra, sem bandeira para hastear
Nunca nos demos patente
Mas basta você me olhar e tudo muda, tudo vai se encaixar
Basta acenar com a cabeça, olhando de lado, com uma das sobrancelhas arqueada
Não há mais tamanha devoção como a nossa
Rugir de leões e ursos pardos rasgando o prelúdio
Somos nós
Os relatos nunca contam o que de fato acontece
Relatos são meras peças de um quebra-cabeça montado por quem conta
Acredita que sabe, sabe nada o contador
Conta o que lhe parece que causará dor
Somos uma obra rara sem terminação
Como o auto-retrato no vinho de um Caravaggio
Nós dois somos de um só
Não se faz mais amor como o nosso
Banhados de perfume e sedução, sem precedentes
Passeio de bicicleta, caminhada lenta no quintal, conversa de pé de ouvido
Segredos que já não eram só meus, o amor não vai embora
Embora o tempo demore, e as casas já não são mais tingidas das mesmas coisas
Paredes mudam de lugar
Aprendemos a voar na madrugada, plainando sob os prédios da cidade
Os amantes sabem de tudo o que acontecem na madrugada
Sempre soubemos de tudo desse universo que nos une e que nos destrói
Pouco usamos à nosso favor das magias desenvolvidas nas Brumas de Avalon
Como um castelo sem o seu aristocrata nos abandonamos e nos vigiamos de longe
Na sapiência de que quando voltarmos reconheceremos cada pastilha do piso de madeira, cada cadeira e seu arranhão no ladrilho
Cada cobertor que escondeu nossas vergonhas, cada dobra dos nossos corpos e do nosso orgulho idiota



Roberta Moura






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