Quem sou eu

Minha foto
Todos os dias a Arte me toma de assalto e me leva para a Vida Real. Troco palavras, vejo pessoas, vivo um dia após o outro, como se o de ontem não tivesse existido, como se o de amanhã ainda estivesse muito longe de chegar.

terça-feira, 8 de março de 2016

Não é o que parece


Imagem de René Françóis Ghislain Magritte, surrealista Belga.



Aqueles olhos verdes eram de matrimônio, e eu, que sabia de todas as coisas, experimento o branco da ignorância no mais tímido silêncio
Me apaixonei
Percebo que estive cega e a experiência não foi das melhores
Deixei-me guiar por aquele par de olhos imaturos, as esmeraldas do meu tesouro me deixaram fenecer
Foram tantas idas e vindas de sentimentos, tantos desencontros, tantas traições... que já não cabem no meu sorriso amarelo
Enquanto eu lamentava, ele provava outras bocas... línguas e salivas ácidas que o envenenava sem perceber
O cálice da luxúria e aqueles sapatos brancos o envaidecia como poucas coisas, sem falar naqueles olhos cor de oceano
Partiu o meu relicário aquele sorriso sonso e seus impulsos já não eram tão ocultos
Fiquei com a garganta seca e o entrave do lamento das palavras que nunca falei
Foi aí que eu o traí
Traí sem culpa, sem arrependimentos
Dona da razão e das forças que conduzem a minha vida
Deixei para trás aquela casa com cheiro de lavanda e as roupas das crianças estendidas no varal
Fui para não voltar mais, fui como se não houvesse um amanhã
O fiz tantas e tantas vezes que esqueci de me apaixonar
Simplesmente traí
Quando em casa, em outros tempos, reparava as marcas de batom na tua roupa, hoje sequer o exagero no perfume barato da meretriz que toma conta da sala de jantar mas não me agita o estômago
Isso porque estou te traindo, só por isso
Olho aquela foto na parede, típico modelo de família patriarcal... que lástima, que ridículo
Tenho mais pesar pelo que parecemos ser do que pelo que faço com a tua cabeça
Bela fotografia na parede, ela é o que queremos parecer e o que talvez quase fomos
Talvez, se esse par de olhos cor do mar não atraíssem tanto, se meus reclames fossem mais presentes e menos latentes que a minha necessidade de me sentir amada...
Se não houvesse tantos corpos vazios, cochas e tornozelos torneados e o vinho não nos subisse tanto a cabeça...
Quem sabe...
Hoje o que nos resta é posar para fotografias, ir à igreja aos domingos, dar lição de moral aos nossos filhos
Porque percebo que o que pensava que éramos somente me parecia ser
Fomos perfeitos pela metade, por cada um de nós e nossas buscas desvairadas por sermos amados
Nos deixamos sem ir embora, nos esquecemos sem perceber, nos abandonamos em dupla, nunca fomos um par... "Nous ne sommes pas ce qu'lis semblent être..."



Roberta Moura


Nenhum comentário:

Postar um comentário