Roma, Janeiro de 2017.
Vestiu uma
camisa de flanela vermelho e azul, e por cima dela jogou o antigo casaco de
frio do seu falecido pai
Tomou a
chave da velha Ford 1984 e seguiu em direção à Ballybricken pela R514
Há tempos
que não tomava aquele direção, há tempos que não sofria por ela
No meio do
caminho, como um filme, viu o passado deles, as intermináveis conversas ao pé
da cama, as calorosas brigas, até o pálido semblante de raiva e o trejeito do
seu rosto se contorcendo de frio lhe veio a memória
Há tempos
nada era tão claro como naquele fatídico 15 de janeiro
Taylor
nunca foi um homem fácil, mas também não lhe cabia a arrogância, na verdade, eu
acho que foi mesmo desses desencontros da vida que o separou dela
Dessas
coisas que acontecem sem que a gente perceba e o casal que foi feito para durar
se separa, o amor que foi feito para se eternizar adormece
Me lembro
bem deles dois despertando inveja pela rua, da timidez, potência e da
bipolaridade dela
Lembro do
desafinado Taylor tentando inutilmente ir de encontro a sua natureza enquanto
Dolores, envergonhada, fingia admirar seus dotes musicais
Os homens
são sempre bobos, comentava ela ao meu pé de ouvido
Mas o
protelar dele alimentou os desencontros da vida e o belo casal marcado pelo
destino por um amor descomunal partiu-se ao meio
Ela deixou
a pequena cidade, fez carreira e sucesso, tornou-se conhecida e domou o quanto
pode sua natureza ambígua
Enquanto
ele fez morada no ninho de nascença, mergulhou na sua própria impaciência de
construir o seu próprio caminho
Pobre Taylor,
todos pensavam
Grande
Dolores!
Me disseram
que ele disse ter escutado a voz dela na noite anterior, não sei ao certo se
acredito nessas sandices do povo, não sei se o fato é consistente
Só sei que
chorei a perda dela, sinto saudades, ao tempo que não imaginava estar no lugar
dele nem por um segundo
Mas a vida
tem dessas coisas, desses encontros, desencontros e reencontros
Eu soube
que ele sequer chorou ao saber da partida dela, que parecia mumificado, exceto
pelo rubor da sua pele que apontada um visível desnível da pressão arterial
Ele sempre
foi desses, de não mostrar o que sente, de protelar, até o sofrimento
Taylor,
Taylor, Taylor, perdeu seu grande amor
Ouvi dizer
que, na estrada, no caminho para o reencontro com o corpo dela ele notavelmente
ouvia suas músicas em som consideravelmente alto, pensei comigo, isso nunca foi
coisa dele
Mas, na
altura do 13 da R514 quis o destino novamente mostrar suas garras e lhe deu
outra chance
Contaram
que sua Ford patinou na estrada como um atleta olímpico, houve beleza na sua
partida
Ouviu-se
funebremente a voz de Dolores soprando alto no som do carro que fumaçava de
ponta cabeça, como quem chamava por ele
E o que era
para ser a despedida deles entre planos espirituais tornou-se mais um encontro,
uma nova chance, um reencontro, como essas coisas da vida
Só sei que
sentiremos saudades deles e lembraremos dessa história, cada um contando a sua
versão, cada um com um pedaço que lhe caiba nesse quebra cabeças infindável que
é o amor
Cada peça,
cada minudência, cada afeto e coração partido
Cada
oportunidade perdida, cada palavra calada, cada música e poesia que não foi
declamada
Cada texto
que não foi redigido, cada recado corrompido, cada detalhe esquecido
Que tudo
isso exercitado e protelado por eles nos lembre quão importante é viver o amor
Roberta
Moura
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