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Todos os dias a Arte me toma de assalto e me leva para a Vida Real. Troco palavras, vejo pessoas, vivo um dia após o outro, como se o de ontem não tivesse existido, como se o de amanhã ainda estivesse muito longe de chegar.

sexta-feira, 19 de janeiro de 2018

Taylor

Roma, Janeiro de 2017.

Vestiu uma camisa de flanela vermelho e azul, e por cima dela jogou o antigo casaco de frio do seu falecido pai
Tomou a chave da velha Ford 1984 e seguiu em direção à  Ballybricken pela R514
Há tempos que não tomava aquele direção, há tempos que não sofria por ela
No meio do caminho, como um filme, viu o passado deles, as intermináveis conversas ao pé da cama, as calorosas brigas, até o pálido semblante de raiva e o trejeito do seu rosto se contorcendo de frio lhe veio a memória
Há tempos nada era tão claro como naquele fatídico 15 de janeiro
Taylor nunca foi um homem fácil, mas também não lhe cabia a arrogância, na verdade, eu acho que foi mesmo desses desencontros da vida que o separou dela
Dessas coisas que acontecem sem que a gente perceba e o casal que foi feito para durar se separa, o amor que foi feito para se eternizar adormece
Me lembro bem deles dois despertando inveja pela rua, da timidez, potência e da bipolaridade dela
Lembro do desafinado Taylor tentando inutilmente ir de encontro a sua natureza enquanto Dolores, envergonhada, fingia admirar seus dotes musicais
Os homens são sempre bobos, comentava ela ao meu pé de ouvido
Mas o protelar dele alimentou os desencontros da vida e o belo casal marcado pelo destino por um amor descomunal partiu-se ao meio
Ela deixou a pequena cidade, fez carreira e sucesso, tornou-se conhecida e domou o quanto pode sua natureza ambígua
Enquanto ele fez morada no ninho de nascença, mergulhou na sua própria impaciência de construir o seu próprio caminho
Pobre Taylor, todos pensavam
Grande Dolores!
Me disseram que ele disse ter escutado a voz dela na noite anterior, não sei ao certo se acredito nessas sandices do povo, não sei se o fato é consistente
Só sei que chorei a perda dela, sinto saudades, ao tempo que não imaginava estar no lugar dele nem por um segundo
Mas a vida tem dessas coisas, desses encontros, desencontros e reencontros
Eu soube que ele sequer chorou ao saber da partida dela, que parecia mumificado, exceto pelo rubor da sua pele que apontada um visível desnível da pressão arterial
Ele sempre foi desses, de não mostrar o que sente, de protelar, até o sofrimento
Taylor, Taylor, Taylor, perdeu seu grande amor
Ouvi dizer que, na estrada, no caminho para o reencontro com o corpo dela ele notavelmente ouvia suas músicas em som consideravelmente alto, pensei comigo, isso nunca foi coisa dele
Mas, na altura do 13 da R514 quis o destino novamente mostrar suas garras e lhe deu outra chance
Contaram que sua Ford patinou na estrada como um atleta olímpico, houve beleza na sua partida
Ouviu-se funebremente a voz de Dolores soprando alto no som do carro que fumaçava de ponta cabeça, como quem chamava por ele
E o que era para ser a despedida deles entre planos espirituais tornou-se mais um encontro, uma nova chance, um reencontro, como essas coisas da vida        
Só sei que sentiremos saudades deles e lembraremos dessa história, cada um contando a sua versão, cada um com um pedaço que lhe caiba nesse quebra cabeças infindável que é o amor
Cada peça, cada minudência, cada afeto e coração partido
Cada oportunidade perdida, cada palavra calada, cada música e poesia que não foi declamada
Cada texto que não foi redigido, cada recado corrompido, cada detalhe esquecido
Que tudo isso exercitado e protelado por eles nos lembre quão importante é viver o amor


Roberta Moura


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