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Todos os dias a Arte me toma de assalto e me leva para a Vida Real. Troco palavras, vejo pessoas, vivo um dia após o outro, como se o de ontem não tivesse existido, como se o de amanhã ainda estivesse muito longe de chegar.

terça-feira, 2 de agosto de 2011

Para onde foi o tempo



Quando eu era criança tinha muito o que fazer
Todo o tempo, o tempo todo, muitos sonhos para florescer
Corria em disparada, ao encontro do “não sei o que”
Guardava fila de banco, abria e fechava portões prontamente, esbanjava uma energia vibrante, esperança invejável e ardente, sempre acompanhadas de conversas sinceras para oferecer
Chupava Bala Soft e me entalava “vez por outra”, enchia minhas veias de açúcar, tomava Baré Cola, colecionava pirecóptero, sonhava e bolava projetos malucos, ambicionava satisfazer
Como eu era feliz!
Tudo que queria cabia sistematicamente numa folha de papel pautado, em ordem alfabética, com prazos estabelecidos, os quais o tal do tempo poderia me ajudar a cumprir
E ele foi chegando e passando, as vezes de mancinho, sempre perceptível, nunca sem causa   
Dos planos que fiz, muitos viraram ao avesso, outros mudaram de cor e uma porção deles realizaram-se
Tantas palavras foram gastas de lá para cá, tantos fatos ocorreram a minha revelia
Passei a me perguntar: O que devo fazer? Como posso me ajudar?
Já nem lembro mais quando foi que percebi que não sou dona da ampulheta do tempo
Que amizade eterna só existe se o sentimento é alimentado com dedicação bilateral
Nem lembro quanto tempo carcomi jogando areia no carrinho de lata, pulando corda ou arriscando a criatividade e a memória na “adedonha”
Olho as minhas mãos e vejo mais riscos que antes
Nos meus cabelos, diariamente e cada vez mais, arriscam-se fios descoloridos 
Onde foi que deixei minha infância, minha mocidade?
Um lastro de memórias me faz lembrar de um tanto de lugares que frequentei, descendo e subindo ladeiras de bicicleta, visitando o pronto socorro de fraturas, encima da goiabeira do meu quintal, no terreiro da minha vizinha... Pedaços de mim ficaram por lá!
Entendo que larguei meu tempo nos devaneios realizados, onde mais empreguei meus dias
Atualmente, essa luta tem ganhado força, assim como uma violenta crença no novo tempo, apesar dos perigos, cada vez mais iminentes
A quem entreguei tanta dedicação?
Tantas pessoas passadas, tantas chegadas, caras novas, coisas velhas, nomes, endereços e frases incertas
Quantas ainda passarão pela minha casa, aguardarei ansiosa na janela, para as quais colocarei mais um prato na mesa
Quantos dias caberão em uma vida cheia de esperas?
Espera para chegar, para almoçar, para ligar, para sair, para comprar, para confirmar, para encontrar, para me mandar, para voltar, para ganhar, para conquistar...
Espera para merecer, oferecer, crescer, amadurecer...
Para parar de verbalizar!
Ao passar dos dias percebo que, nem mesmo o velho tempo merece domar o verbo viver
O tempo não é verbo, ele não age, só reage ao passar da sua espera ilíquida, contando os dias, usando outros verbos no gerúndio para poder sobreviver
Se assim fosse, as crianças não morreriam jamais, somente os velhinhos
A morte os levaria de forma branda e sorridente
Ficaríamos a espera dela, do consumo, com data marcada, vendo os nossos amigos acenando do cais da saudade, com lenços brancos, a espera do reencontro no outro lado do horizonte
As vezes me parece que só o que se perde e os mortos tem valor
Onde o tempo não será mais o senhor das mudanças, onde o luto não terá mais vez, onde seremos todos crianças novamente, não envelheceremos, sendo assim, não morreremos jamais   
Os retratos da infância nos remetem a um futuro destemido
Quisera eu ter a mesma certeza das coisas, a mesma vitalidade e esperança
Tenho tentado, alimentado, me cercado cada vez mais dessa sabedoria toda, na perspectiva de que caiam migalhas dessa esperança nas novidades, imbuída na vontade das crianças, sobre minha cabeça e me sustente a aspiração, o desejo de lutar


Roberta Moura





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